segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Entrevista



MESTRE CELSO
Associação Engenho da Rainha

"Uma vez eu fiz uma pergunta no Fundão (UFRJ): Quem gosta de Capoeira? Eu respondo, quem ama não larga, quem ama cuida, preserva!”

Aos 72 anos de idade Celso Carvalho Nascimento, talvez seja o capoeirista mais velho em atividade no Rio de Janeiro. O penúltimo de uma família com nove filhos, perdeu o pai aos 6 anos de idade.
Estudou pouco, mas fala muito bem, segundo o próprio, porque lê muito, mas gostaria de ler mais.
“A capoeira pra mim ainda é uma pedra bruta, to querendo lapidar ela. Com choro, com raiva e cada vez mais me aprofundando nela.”
Sem papas na língua, disse o que quis e reiterou, “publica isso aí hein”.
Sob os olhares atentos do Mestre Barbudo, que como o Mestre Celso gosta de dizer, “treina comigo, não gosto de dizer que é meu aluno. Esse aqui já está comigo há 30 anos e olha que eu não sou fácil de aturar. Nem sei por que aceitei te dar essa entrevista.”.
O encontrei no espaço onde dá aulas, num sábado de manhã, enquanto algumas crianças treinavam.

“Eu não faço capoeira porque vi fulano fazer, a capoeira já estava dentro de mim. Eu já fazia bananeira e salto mortal, sem nunca ter visto capoeira na minha vida”.


*A entrevista a seguir foi realizada em Maio de 2011 e é inédita e exclusiva do Blog Capoeira de Toda Maneira.


(Maíra Gomes) - Como o senhor começou na capoeira?

(Mestre Celso) - Em 1956 meu irmão chegou em casa fazendo movimento de capoeira, porque ele disse que o Artur Emídio (Mestre) tinha ido no quartel. Passei a gostar daquilo que meu irmão fez. Mas eu já tinha visto capoeira muitos anos antes. Quando eu tinha dez anos eu vi um grupo fazendo alguma coisa de capoeira ali na Avenida Suburbana, no campo e tal.
Antigamente o pessoal fazia muita barra, exercício e não tinha essa coisa de academia de musculação. Era no terreno das casas, as pessoas se penduravam numa árvore no meio da rua, se tivesse um galho mais envergado o pessoal já fazia ginástica ali. Aí eu ouvia falar de luta, ouvi falar também a respeito de Tiririca (uma espécie de capoeira primitiva, jogada ao som de samba paulista) ali fui procurando me interessar e depois meu irmão chegou em casa fazendo “corta-capim”, dizendo que o Artur Emídio tinha ido no quartel fazer exibição e aí eu me interessei.
Quando eu servi o exército em 1959 eu fui à Praça Mauá, vi lá um rapaz de bigodinho, conversando com os outros. Aí procurei saber quem era o Artur Emídio. “Seu Artur Emído, eu queria fazer capoeira”, aí ele disse – “Eu vou viajar, vou pra Nova York, quando eu voltar você me procura”. Fui procurá-lo em Bonsucesso e comecei a fazer capoeira com ele. Depois de determinado tempo, quando cheguei à academia dele já tinha pessoas mais adiantadas do que eu, fui treinando, treinando, até que desenvolvi nessa arte genuinamente brasileira.

(Maíra Gomes) – Como foi seu reconhecimento de mestre?

(Mestre Celso) – Antigamente não existia esse negócio de formar Mestre. Mestre de capoeira só tinha na Bahia, era o Bimba e o Pastinha, mais ninguém. Então eu me consagrei a mestre de capoeira quando criaram a Federação de Capoeira. Eu era aluno, quando saí do Artur Emídio ele falou “Você pode dar aula de capoeira” , aí fui dar aula de capoeira em Rocha Miranda em 1964.
Quando a Federação foi criada em 1972, quem dava aula de capoeira era consagrado a mestre de capoeira, contramestre ou professor de capoeira.

(Maíra Gomes) – Como foi a criação da Associação de Capoeira Engenho da Rainha?

(Mestre Celso) – Eu dava aula de capoeira em Rocha Miranda com Álvaro Marins Domingues. De Rocha Miranda nós fomos pra Jacarepaguá, Freguesia de Jacarepaguá. Depois nós fomos pra Madureira, de Madureira eu vim pra Pilares. Academia de Capoeira Celso e Álvaro, aí quando saiu a Federação, uma reunião de capoeiristas lá na Federação de Pugilismo e o André Lacé (Escritor) perguntou como era o nome do meu grupo, eu digo, “olha, eu dou aula de capoeira com o Alvinho, Academia de Capoeira Celso e Alvinho” mas o Alvinho não faz mais capoeira. Ai ele me perguntou, “Você da aula aonde?” Eu disse, “Dou aula em Pilares”, ele me deu a ideia de chamar de Associação de Capoeira Engenho da Rainha, porque ele achava que Pilares era o Engenho da Rainha.

(Maíra Gomes) – Em que lugares fora do Brasil a Associação Engenho da Rainha está?

(Mestre Celso) – Portugal, Estados Unidos, Inglaterra, Coréia e Polônia. A capoeira está em vários lugares no mundo, tem até alguns grupos que são organizados, mas a capoeira não é organizada.


(Maíra Gomes) – Como é que o senhor vê essa questão da graduação ser diferente em cada grupo?(A essa altura Mestre Celso pede que o Mestre Barbudo se aproxime e diz: “Dois é melhor do que um, tudo que eu falo gosto que tenha testemunha”)

(Mestre Celso) - A Federação criou o cordel e foram chamadas pessoas de outros grupos, que moravam na Zona Sul, para participar das reuniões. Eles foram, mas resolveram sair fora e criaram a corda. O capoeirista é vaidoso, ele é mentiroso, ele tem vários defeitos.
O aluno não tem capacidade pra determinadas coisas, aí ele sai do grupo e sem condição de ensinar, sem nada ele monta seu próprio grupo e de repente ele inventa uma moda nova. Daqui a pouco nem corda, nem cordel, vão usar barbante. E tudo que ele faz, faz pra desmoralizar a própria capoeira. Por isso a capoeira não está organizada.
Eu tenho viajado o mundo todo, o cara sai daqui do Brasil é aluno e lá fora ele bota uma graduação.
Pra organizar a capoeira eu acho que tinha que ser gente de fora, que gosta, mas que não treina, não participa. Porque senão cada um defende o seu interesse e fica difícil organizar.

(Maíra Gomes) – O senhor chegou a ver algum aluno do Mestre Sinhozinho, antes de conhecer Mestre Artur Emídio?

(Mestre Celso) – Não cheguei a ver. Vi roda de pernada no tabuleiro na Baiana. No Jardim do Méier tinha roda de pernada, pernada mesmo, só entrava negro. A capoeira no Rio não tinha. Podia ter um cara ali que sabia capoeira, mas gente jogando capoeira não tinha.

(Maíra Gomes) – Obrigada Mestre, pra mim já ta legal.

(Mestre Celso) - Olha lá hein, depois fica faltando.
“Uma coisa é pequena, outro dia ela é grande. Ninguém começa lá em cima”.Mestre Celso

Nenhum comentário:

Postar um comentário

O que você acha sobre isso?

Você pode gostar