quinta-feira, 22 de março de 2018

Sete anos já se passaram e agora?

Arquivo


Rio de Janeiro, Brasil

O Blog completou sete anos de existência no dia 11 de março. Muito obrigada pela sua companhia durante esse período, pela participação e contribuição. Fácil ou não, chegamos até aqui.

Ok, já foram sete anos e o que vem agora? 

Sinceramente? Não sei. As vezes penso que meu trabalho já não tem mais relevância, ou que não é o que o público quer ler/ver. Quando esse espaço foi criado eram poucos os canais que tratavam exclusivamente de Capoeira. A realidade hoje é outra, existe muito conteúdo bom por aí, que faço questão de acompanhar e incentivar, há espaço para todos. No entanto, existem também trabalhos que recebem mais atenção do que deveriam. 

A maior parte do conteúdo que as pessoas compartilham em grupos do Facebook, por exemplo, é sobre si mesmos: vídeos fazendo movimentos; autopromoção; um monte de polêmica besta que em nada acrescenta porque não traz reflexão, apenas briga de egos; fotos que mostram mais corpos do que Capoeira em si; vídeos polêmicos que têm o único objetivo de julgar o outro e etc. Isso diz muito sobre que conteúdo essas pessoas querem receber em seus feeds.

Muitas coisas me chatearam ao longo desses anos, uso do conteúdo  do blog de forma indevida, o uso do nome do blog por outra página no Facebook, o que dificulta o crescimento da fanpage (e me obrigou a alterar um pouco o nome para tentar diferenciar da outra, já que o diálogo não funcionou), uso de parte da nossa logo por grupos recém criados, entrevistas frustradas, mas nada é pior do que  não conseguir terminar uma matéria por escassez de informação.

Falando/ Escrevendo assim parece que nada valeu a pena, mas muito pelo contrário, fiz amigos, conheci gente incrível, tive acesso a histórias emocionantes, conheci todos os meus ídolos vivos e tive orgulho de mim, sem falsa modéstia, ao perceber que pessoas que eu tanto admiro confiam no meu trabalho. Ouvir um elogio pelo seu trabalho simplesmente não tem preço, principalmente por ser um trabalho feito na marra, sem patrocínio, sem anunciantes, contando com os amigos para tudo, especialmente na divulgação.

O que espero que trabalhos como o meu possam gerar?

Espero que no futuro seja possível encontrar com facilidade informações sobre todos os grandes capoeiristas da nossa época. Hoje, isso não é uma realidade. É muito difícil encontrar informações precisas sobre os mestres mais antigos da nossa capoeiragem. Há pouca ou nenhuma documentação, muita controvérsia, enfim, cada vez que resolvo traçar o perfil de um mestre é uma luta por informações confiáveis.  São muitos grupos espalhados pelo mundo e muitos capoeiristas com apelidos repetidos ou parecidos, o que as vezes pode causar uma pequena confusão. 

Estou tentando fazer a minha parte, com toda minha curiosidade e ânsia pela história da Capoeira. Sempre correndo atrás de uma entrevista nova, batendo papo com os mestres em eventos e rodas,  gravando tudo que posso para não escapar uma só palavra e, ainda assim, me sinto em dívida porque as vezes o desânimo bate e o blog acaba sem atualizações por um bom tempo, mas nunca é o fim e espero que nunca seja.

Todo esse rodeio é pra dizer pra vocês o quanto é importante registrar e documentar o conhecimento que nossos mestres nos passam todos os dias, porque é triste pensar, mas o ciclo da vida é o mesmo para qualquer ser vivo, todos nós vamos partir um dia. Não permita que a história da Capoeira se perca. Dê ao seu mestre o devido valor em vida, de forma que o nome dele não seja esquecido.

Você não precisa ter um blog ou publicar na mídia tradicional, nada disso. Preocupe-se apenas em estar ao lado do seu mestre, registrar em fotos e vídeos, ouvir suas histórias, levar o nome dele com responsabilidade pelos lugares que você passar. Repasse a história dele aos outros membros do seu grupo, torne pública a relevância dele para a Capoeira. 

Nós somos guardiões da existência dos nossos mestres. É sua responsabilidade continuar o trabalho que ele começou e impedir que o nome dele seja apenas mais um em um amontoado de nomes sem história.

       

terça-feira, 20 de março de 2018

O que torna um evento inesquecível?































Rio de Janeiro, Brasil.

Imagem de arquivo
Lembro da primeira cobertura de evento que fiz para a  Revista Praticando Capoeira. Eu era editora da revista há pouquíssimo tempo, já tinha o blog, mas, aquela experiência era completamente nova para mim.  Eu estava representando uma empresa que eu admirava há muito tempo e não só o blog, criação minha, que não tinha tanto alcance naquela época.

Lembro de chegar ao evento da Senzala, o primeiro após o falecimento do Mestre Peixinho, e ficar impressionada. Meus ídolos estavam quase todos ali, uma massa de capoeiristas de várias partes do mundo em sintonia, as apresentações culturais, aula de jongo e uma das imagens que mais me marcou, Mestre Suassuna encantando a todos com o seu berimbau.

Esse evento é um dos mais marcantes da minha carreira de jornalista. Não só por ter sido o primeiro, havia muita coisa ali que só vivendo para poder entender. Como Capoeirista tenho muitos outros  eventos de destaque, em especial os que participei, seja como aluna ou ajudando na organização.

O que faz de um evento um bom evento? A organização, a energia e, obviamente, o material humano presente na roda. Esses são os elementos primordiais para um evento de qualidade. Mas o que diferencia um bom evento de um evento inesquecível, marcante? 

As respostas podem variar de acordo com o gosto de cada um. A única certeza que temos é que os profissionais de Capoeira têm se preocupado cada vez mais em encontrar esse toque a mais que torna um evento "o evento".

É uma tendência mundial que, ao menos uma vez ao ano, um núcleo de treinamento realize um evento com  dois a três dias de duração. Isso quando não dura mais de uma semana, exemplos não faltam. Nessas ocasiões são oferecidas oficinas, rodas de conversa, palestras, aulões,  shows e é claro, as trocas de corda, formaturas e batizados.

Essa propensão a eventos de longa duração é uma realidade para grupos e associações de todos os tamanhos. O capoeirista quer mais do que aprender a prática da Capoeira, ele quer fabricar o próprio instrumento, ter conhecimentos históricos e fundamentos de preferência extraídos da fonte, ouvir quem viveu e ainda está aí para contar.


Profissionais se adaptam a essa nova realidade


Um exemplo de como essa procura por um diferencial se aplica é o surgimento de um novo mercado, profissionais que vem se especializando em ministrar cursos, palestras, ou em fazer apresentações culturais em eventos pelo Brasil e pelo Mundo.

 Mestre Marcos China ensinando a confeccionar o Caxixi/Arquivo pessoal


Mestre de Capoeira, percussionista e dono da PAMC Instrumentos, Mestre Marcos China é um dos precursores da Capoeira na Europa e seus instrumentos artesanais fazem sucesso no Brasil e no exterior. Prova disso é que você provavelmente já viu a logomarca da PAMC em alguma roda por aí, seja de Capoeira ou de samba.


Trabalhando com a fabricação de instrumentos de percussão há mais de 40 anos, Mestre Marcos China percebeu que a demanda para esse tipo de atividade vem aumentando muito e desenvolveu novas abordagens, "A oficina de fabricação de caxixi, por exemplo, pode ser feita por crianças e adultos, inclusive, pais e filhos. Uma forma de envolver os pais que não praticam Capoeira no universo dos seus filhos. E é o maior barato vê-los saindo felizes com o caxixi fabricado por eles mesmos.", contou.

Outro grande destaque em eventos de Capoeira são as apresentações culturais, que muitas vezes são feitas pelos próprios alunos que ensaiam durante meses para se apresentarem para os familiares e amigos. No entanto, a existência de grupos especializados em apresentações culturais é algo que vem crescendo, o que mostra também um caráter de abertura na Capoeira, pois, independente de bandeira, o que vale é a qualidade do show apresentado.

Apresentação de Puxada de Rede com o Afro Ketu/ Arquivo Pessoal






A Associação Cultural Afro ketu foi criada com o intuito de resgatar jovens da região de Morrinhos, no Guarujá/SP, por iniciativa do Mestre Rafael de Oliveira Rodrigues. O grupo iniciou as aulas gratuitas de Capoeira e danças folclóricas há cerca de 17 anos. As aulas são gratuitas e o cachê recebido nas apresentações  ajuda a manter o projeto por onde mais de 3 mil jovens já passaram desde sua criação.
Imagem de divulgação

A Contramestre Nielainde conta que os eventos de Capoeira são de certa forma uma novidade para eles, "A Capoeira está voltando a reconhecer essa questão histórica que tinha perdido. Durante muito tempo trabalhamos mais em convenções e teatros do que em eventos de Capoeira. As oportunidades em eventos estão aparecendo com mais frequência de um tempo pra cá.", explicou a porta voz do grupo.






Saiba como contratar


Mestre Marcos China oferece oficinas de confecção de caxixi, confecção de Maraca, confecção de caixinha de fósforo, musicalização através do Caxixi, musicalização com instrumentos artesanais e de Sonoplastia. Para mais informações entre em contato através do e-mail marcospamc@gmail.com ou através da fanpage.

Já a Associação Cultural Afro ketu apresenta shows de Dança Afro, Capoeira, Percussão, Samba de Roda, Maculelê, Afixirê e Puxada de Rede. Para mais informações entre em contato pelo e-mail afroketu@bol.com.br ou através da fanpage.


quarta-feira, 7 de março de 2018

Coletivo feminino realiza a segunda edição do evento Desperta Mulher


Imagem de divulgação


Rio de Janeiro - Brasil


O MMIÊ - Movimento de Mulheres Iê - realiza no próximo sábado, 10 de março, o evento Desperta Mulher, em favor da igualdade de gênero e em repúdio à violência contra a mulher. 

Fruto da reunião de mulheres capoeiristas em um grupo de Whatsapp, o MMIÊ conta hoje com a participação de 85 mulheres de diferentes partes do mundo, que discutem diariamente questões relativas à Capoeira, à atuação da mulher na Capoeira e à sociedade de um modo geral.

Este ano o evento traz o tema "Gingando sobre pétalas e espinhos", que é um projeto que enaltece as histórias e trajetórias das mulheres capoeiristas. A programação prevista inclui manifestações culturais, rodas e palestras.

O Desperta Mulher acontece simultaneamente no Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Tocantins, São Paulo, Ceará, Minas Gerais, Paraná, Lisboa, em Portugal, e Luanda, em Angola. A proposta é ter um dia de reflexão, capaz de fortalecer essas mulheres e conscientizar os homens.


Gingando sobre pétalas e espinhos


Criado em Julho de 2017, o projeto Gingando sobre pétalas e espinhos pretende dar voz às mulheres capoeiristas, tornando público os percalços e a perseverança na caminhada dentro da Capoeira. Periodicamente a fanpage do projeto traz uma mulher aos holofotes e conta a sua história.

Como tudo relacionado à nossa arte, não existem dados oficiais sobre a participação feminina na Capoeira, ou sobre a evasão das mulheres por motivos diversos que incluem o cuidado com os filhos, a dupla jornada de trabalho, pressões sociais e o machismo existente dentro da própria Capoeira. 

Iniciativas como o MMIÊ e o projeto Gingando sobre pétalas e espinhos são extremamente importantes, pois, trazem representatividade e comprovam que aquela velha história sobre competitividade feminina não é 100% verdade. A competitividade existe, como existe entre homens e entre homens e mulheres, mas, a verdade é que nós (sim, é uma mulher quem escreve o blog) estamos aprendendo com movimentos como esses que unidas não poderemos ser subjugadas e que cada uma de nós importa. Da corda crua à Mestre de Capoeira mais antiga, todas nós temos o nosso valor e esse valor não precisa ser provado trocando tapas com outra mulher cada vez que entramos numa roda de Capoeira.

Para mais informações sobre locais e horários, entre em contato com a organizadora da sua região nos telefones disponíveis na imagem acima.

domingo, 24 de dezembro de 2017

Entrevista

Mestre Adelmo Lima
Origens do Brasil



Mestre Adelmo se define como uma pessoa simples, mas, durante a pesquisa para essa entrevista, percebi que nada é simples na vida de Adelmo Pereira Lima. 
Nasceu em 15 de julho de 1962, porém, em sua certidão consta que nasceu em 1964. Um erro que ele só descobriu na idade adulta.
Natural de Brasília, Distrito Federal, Mestre Adelmo teve um encontro inusitado com a nossa arte. Digamos que primeiro ele se encantou por seu Mestre e desse encantamento surgiu o amor pela Capoeira. Uma história muito bonita de um  menino que encontrou em seu Mestre o carinho que ele tanto precisava.
Das numerosas reflexões feitas por ele durante essa entrevista, destaco uma que me tocou profundamente: " O 'ser' Mestre é um estado subjetivo que só será substancializado no corpo e na alma do praticante depois de muito tempo de dedicação, estudo e trabalho responsável pela Capoeira." 
Essa frase é um oásis em tempos de vendas de graduação, de pressa para chegar a um lugar que é muito mais subjetivo do que físico, de constantes polêmicas fomentadas pelas redes sociais. E é também uma pequena amostra do que foi essa entrevista.
Boa reflexão a todos!

*A entrevista a seguir foi realizada em Dezembro de 2017 e é inédita e exclusiva do Blog Capoeira de Toda Maneira 

(Maíra Gomes) - Como começou sua história com a Capoeira? 

(Mestre Adelmo) - Aos 12 anos de idade, como qualquer moleque, eu jogava pelada (futebol de rua) e tinha um amigo que estava ingressando no time do infanto-juvenil do Brasília futebol clube, chamado Gilbert. O pai do Gilbert faleceu e isso foi trágico pra ele. O Gilbert sabendo da paixão do pai pela Capoeira resolveu procurar onde tinha uma academia para ingressar e me chamou para ir com ele. Eu particularmente não tinha nenhum interesse na Capoeira, pois, não conhecia bem, quero dizer, não conhecia nada. Não tinha a mínima ideia do que seria Capoeira. Eu tinha uma família desestruturada e sofria de baixa autoestima, pois, os relacionamentos eram conflituosos, não existia violência, nem problemas com drogas, só um vazio nas relações que me fazia sofrer muito. Quando Gilbert encontrou um local que tinha aulas de capoeira me procurou imediatamente. Fomos nós dois em uma segunda-feira, às 17 horas, na QE 22 (Quadra externa) do Guara I (cidade satélite de Brasília, onde morávamos). O local era no fundo de uma casa onde o proprietário, senhor Assis, era fabricante de armas marciais para Taekwondo, Caratê e Kung fu e no fundo da casa construiu uma academia chamada Pequeno Dragão, como homenagem ao Bruce Lee. Eu estava assustado com o ambiente, pois, era diferente de tudo que eu já tinha visto na minha vida. Um corredor lateral dava acesso ao fundo onde tinha aulas de artes marciais. E era o dia de aula de capoeira! Quando chegamos no local fiquei maravilhado com um desenho em gesso do símbolo ying-yang com um dragão serpenteando ao redor dele. Quando de repente olhei para o canto da sala e ele estava lá, um homem negro, de estatura mediana, físico atarracado, olhar vivo, cabelo black power, bigode largo e um sorriso marcante. Ele se aproximou, eu estava paralisado, e sem nenhuma explicação lógica ele se abaixou próximo de nós e fez um carinho com as costas das mãos no meu rosto e me perguntou se eu queria treinar Capoeira. Não sei exatamente o que aconteceu, quando dei por mim eu estava na rua correndo e chorando. Só anos depois pude entender minha reação. Aquele foi o primeiro carinho que lembro ter recebido. Uma emoção diferente, uma mistura de susto e gratidão. O Gilbert ficou treinando, eu não podia treinar porque era vendedor de picolé, tinha que ajudar em casa e não me sobrava nada para pagar as aulas. Mas todo dia de aula eu ia lá só pra ficar olhando pra ele por trás de uma fresta da porta. De lá eu poderia ficar olhando sem ser visto. Um dia ele me flagrou e perguntou se eu queria treinar. Eu nunca gaguejei tanto na minha vida (risos) e disse que sim, que queria treinar. Acho que na verdade eu só queria ficar perto dele. Imediatamente procurei outra ocupação para conseguir o dinheiro pra pagar as aulas. Fui vigiar carros na feira do Guará e a tarde vendia pipas que eu mesmo fazia para conseguir dinheiro para pagar as aulas. Isso foi há 39 anos.

(Maíra Gomes) - Conte um pouco da sua caminhada até a formatura de mestre.

(Mestre Adelmo) - Eu nunca quis ser Mestre, isso é uma posição onde pra mim é claro: o Barto é o Mestre e eu sou o aluno.  
Comecei a perceber o que a Capoeira poderia me oferecer, eu via os outros formados do mestre se transformando em pessoas melhores. E com esta impressão do que via e sentia eu fui acometido com um sentimento muito forte de que a Capoeira era minha responsabilidade. E isso era muito complicado para um adolescente entre os 13 e 14 anos. Naturalmente eu não fazia a mínima ideia de como proteger ou ajudar a Capoeira e, a cada dia, eu ia me afastando dos amigos, não jogava mais bola, nem soltava pipa, a principio pelo preconceitos de muitos, pois, ser capoeirista era sinônimo de marginal e ainda, como se não bastasse isso, sofri muito na família, sendo assim preferi me poupar  e sumir. Era só estudar em escola publica e treinar escutando Lps de samba pra poder treinar em casa quando meus pais não estavam. Ou no mato próximo de casa quando não tinha aulas na escola. Foram anos sozinho e as únicas companhias que eu tinha era o meu Mestre Barto e o Marcão outro aluno do mestre com quem criei laços de amizade que duram a te hoje. O Gilbert só treinou 6 meses, o Marcos parou de treinar depois de uns 5 anos e hoje é cantor de Rap com o GOG, que também participava dos treinos a partir dos anos 80, quando fundei o Origens do Brasil, no CDS – Centro de Desenvolvimento Cultural.
Meu mestre me deu o certificado de formatura em 1996. No entanto, solicitei não usar o título, nem a corda ainda. Em 2002 ele solicitou o evento pra minha formatura definitiva. No dia anterior ele me informou que não poderia vir e que mestre Pombo de Ouro, mestre formado de mestre Bimba na década de 60, e que tive a oportunidade de acompanhá-lo por mais de 20 anos, iria amarrar a corda na minha cintura como meu padrinho ( Mestres Guga, outro formado de Mestre Bimba e Mestre Alcides também são meus padrinhos de formatura). Mestre Barto veio a são Paulo dois anos depois e, após um jogo comigo, consagrou minha graduação. Eu ainda não estava confortável com o título de Mestre, até que em 2012, em Brasília, Mestre Barto me chamou pela primeira fez de Mestre. Isso foi na formatura de outro companheiro de treinos, o Junior Gariba, no evento do mestre Rizomar, no Zoológico de Brasília. O chamado do mestre para mim foi o início de minha conscientização e percebi que minha carreira começou naquele dia. Dez anos após a entrega da corda minha responsabilidade com a Capoeira começou a ter um peso significativo para mim. O peso de que, dali em diante, eu deveria estar melhor preparado para cuidar dela. Esse sentimento é o que me conduz até os dias de hoje. Sou um trabalhador da Capoeira, vivo pra ela, vivo dela e, fundamentalmente,  ela me ajuda a viver melhor.

(Maíra Gomes) - O que motivou a criação do Projeto Cultural Origens do Brasil? 

(Mestre Adelmo) - Na época o Mestre Barto era muito rígido, e é ate hoje, e em 1984 me formei professor, na época corda amarela, e ele relutava em o aluno não dar aulas, hoje eu entendo ele. Pois bem, aquela minha ânsia e sentimento em ser responsável pela Capoeira falou mais alto e pedi ao mestre autorização e, com alguma relutância, ele permitiu que eu começasse a lecionar Capoeira junto ao Contramestre Magno. A condição era que eu não poderia usar o nome do grupo. Não era o que eu queria mas eu não poderia contradizer meu Mestre. Assim, junto com alguns amigos sentados em reunião falei do meu anseio e pedi algumas sugestões de nomes. Nenhum nome sugerido me estimulou e de repente me veio o nome de ancestralidade e origens. Origens venceu a eleição e foi fundado em 20 de novembro de 1985 em Brasília – DF. Portanto, o “ser” Mestre é um estado subjetivo que só será substancializado no corpo e na alma do praticante depois de muito tempo de dedicação, estudo e trabalho responsável pela Capoeira.

(Maíra Gomes) - O senhor publicou o livro “Capoeira, Um Universo de Inspiração” em 2010, seus textos circulam na internet e fazem muito sucesso. Como foi o processo criativo desse livro?

(Mestre Adelmo) - Esse livro foi o resultado daquele sentimento de ser responsável pela Capoeira que ainda hoje não compreendo muito bem, portanto, prefiro confiar nele. Os textos começaram a “vir”, “me foram dados” a partir de 1980. Muitos outros ainda estão guardados. A minha vida na Capoeira não foi fácil, além do preconceito na família e dos amigos, sofri perseguição na escola e passei fome por muito tempo e acredito que tudo isso foi como um filtro para que eu pudesse ter condições de compreender alguns segredo da Capoeira. Mestre Pombo de Ouro sempre dizia pra mim: “A capoeira é um tesouro desconhecido só revelado a poucos. E cada um só receberá uma parcela deste segredo”. Essas palavras me marcaram a ferro e a fogo. Naturalmente  não compreendo os segredos da capoeira, ninguém tem esse poder, mas procuro me preparar para esse caminho. Assim, vivendo em um redemoinho de sentimentos e expectativas, acabei conseguindo transportar para o papel um pouco do sentimento do SER CAPOEIRA. E intuitivamente os textos vieram, em sua maioria, de uma só vez,  em um só fôlego, como um temporal e imediatamente onde eu começava eles “vinham” e eu precisava  escrever. Caneta e papel eram meus companheiros constantes. E assim produzi uma grande coleção de textos entre 1981 até hoje, os dois últimos, até o momento, em 2016: A elegância do Mestre de Capoeira, narrado por Mestre Angoleiro, formado de Mestre Bimba na Bahia na década de 40 e O Mestre é a semente, que está sendo narrado por Mestre Tabosa, formado de Mestre Arraia, na década de 60, em Brasília. Outros tantos textos estão espalhados no mundo virtual.

(Maíra Gomes) - Em 2016 foi a vez de publicar “Ser Criança é Alegria, a Capoeira Como Eficiente Método Pedagógico”, é uma proposta diferente do livro de 2010, não é mesmo?

(Mestre Adelmo) - Sim, o diferencial deste projeto é o trabalho de campo que executei por 31 anos, 1985 a 2016, experimentando, modificando, ampliando e colhendo resultados nos núcleos de trabalho em Brasília, Recife, Alagoas, Londres e São Paulo. O retorno dos milhares de alunos que passaram por minhas mãos e de seus respectivos familiares, unido a grande massa de capoeiristas que participaram de meus cursos, vivências e palestras em mais de 20 estados do Brasil e países do exterior, foram meu termômetro da eficiência do método, culminando com a publicação da obra em 2016.

(Maíra Gomes) - Ambos os trabalhos vêm com CDs, aliás, o senhor é pioneiro quando falamos de audiolivros de Capoeira. Como surgiu a ideia?

(Mestre Adelmo) - Sim tive a sorte de ser o pioneiro neste tipo de trabalho de áudio livro. A ideia surgir de forma intuitiva e no anseio de dinamizar  e facilitar o acesso aos conteúdos. Usar a tecnologia para o fácil acesso a Capoeira. Em Capoeira um Universo de Inspiração que foi lançado em 2010, no Reino Unido, na versão em inglês, percebi a necessidade das nações que não dominam a língua portuguesa que, pela dificuldade de compreender a escrita poderiam ter acesso aos textos como às músicas de Capoeira. Neste processo fui premiado quando fiz o convite ao Mestre Pinatti. Ele na altura de sua sabedoria e dono de uma das história mais belas e consistentes na Capoeira, aceitou imediatamente e por duas vezes fomos para estúdios para a gravação da narração do livro. A segunda gravação ainda não está disponível ao público, será lançada provavelmente em 2018, junto ao livro nas versões português/inglês e futuramente um DVD com o making off das gravações. 

(Maíra Gomes) - Teremos novos livros? 

(Mestre Adelmo) - Sim! Já está pronto o Papoeira 2000 que é uma transcrição do primeiro Papoeira, termo e evento criado por Mestre Pombo de Outro, formado de Mestre Bimba na década de 60, na Bahia. 
Está em fase de conclusão o Textos e Reflexões, coletânea de frases, A Natureza Mistica da Capoeira e Ensaios de uma Alma Negra no Universo da Roda de Capoeira. Todos sem data de lançamento.

(Maíra Gomes) - O senhor é casado? Tem filhos? Sua família também pratica Capoeira?

(Mestre Adelmo) - Sou e tenho três filhos. O mais velho, Lucas,  mora em Brasília e é dono de padaria. A Catrina, de 23 anos, que mora no Mato grosso e a caçula Sofia, 3 anos, e é a capa de meu segundo livro, Ser Criança é Alegria e treina capoeira, faz dança com minha esposa, que é professora de Dança do Ventre e bailarina.

(Maíra Gomes) - O surgimento de grupos de Capoeira evangélicos tem preocupado muitos capoeiristas e também o movimento negro. Sendo o senhor formado em teologia, o que pensa sobre esse assunto?

 (Mestre Adelmo) - Não vejo perigo, pois, já surgiram tentativas de mudar a essência da Capoeira e foram fracassados. Temporariamente podem até mudar a forma e os rituais, portanto a Capoeira tem o poder de se autorregenerar. Ele é autossustentável e regeneradora. Ela é um organismo vivo que nos conduz e qualquer elemento estranho que invade seu corpo é extirpado mais cedo ou mais tarde. Olhem a historia!!!

(Maíra Gomes) - Além de mestre de Capoeira, teólogo e escritor, o senhor é professor de WON HWA DO, uma arte marcial coreana. Onde o senhor aprendeu e como surgiu o interesse por essa arte?

(Mestre Adelmo) - Fui seminarista dos 27 aos 34 anos de idade. No seminário eu treinava sozinho quase todo dia e veio da China um seminarista que morou na Coreia, Fred, e aprendeu o WON HWA DO (caminho circular), uma arte marcial coreana e ele vendo meu empenho em treinar Capoeira, estando fisicamente preparado, começou a me ensinar até eu estar apto a dar aulas. Cheguei a dar umas aulas só que a Capoeira falou e fala mais alto e abdiquei. Por outro lado, o meu tempo era tomado pelos estudos, viagens e treinos. 

(Maíra Gomes) - Consegue identificar alguma semelhança entre WON HWA DO e a Capoeira, mesmo que filosoficamente? 

(Mestre Adelmo) - Toda arte marcial tem seu código de conduta universal. O corpo se conecta com a mente. A mente é a produtora do corpo e por e através dela o corpo surge e se desenvolve. O espírito é a essência da mente e do coração. O treino, a disciplina, a honradez são atributos da alma que são desenvolvidos na mente através do “sacrificio” do corpo. O jejum, a oração, o treino a meditação trazem a iluminação. Esses são os princípios do WON HWA DO esses são os atributos subjetivos da CAPOEIRA.

(Maíra Gomes) - Com faces tão múltiplas, o que mais tem para saber sobre o Mestre Adelmo?

(Mestre Adelmo) - Sou um cidadão comum, que ama a Capoeira como tantos outros camaradas pelo mundo. Em meus momentos de intimidade adoro me dedicar a família, ao artesanato, leitura e filmes. Simples.

(Maíra Gomes) - Pra finalizar, o senhor está satisfeito com o panorama atual da Capoeira?

(Mestre Adelmo) - Sim.....a Capoeira está onde deve estar, porque é ela que nos conduz.. Se ela é um organismo vivo isso nos diz respeito a ter consciência de si e de seu trajeto na história. Já tivemos a fase de violência, de afirmação e a fase dos desconhecimentos, paralelo a idade média. A era das trevas na Capoeira. Hoje começamos a perceber que a luz esta surgindo e que novos e melhores tempos estão por vir, para o Brasil e para a compreensão de toda a sociedade brasileira sobre sua cultura e isso vai acontecer apesar dos esforços dos que não querem. 



Imagem de arquivo pessoal

terça-feira, 9 de maio de 2017

Como vai o seu coração?

Especialista alerta para a grande exigência cardíaca na prática da Capoeira




Maio de 2013, reunião de mestres no Iphan do Rio de Janeiro, Mestre Camisa discursa sobre o triste fim de alguns mestres, sem assistência médica e muitas vezes na miséria. Ele acaba falando sobre o grande números de capoeiristas que morrem por problemas do coração e uma lâmpada se acende imediatamente na minha cabeça.

Mestre Paraná infartou e morreu aos 49 anos. Mestre leopoldina, aos 74 anos, também faleceu em decorrência de problemas cardíacos. 

Demorou até que eu fosse atrás de uma profissional para esclarecer os fatos. A gota d'água veio mês passado, quando, só no Rio de Janeiro, dois capoeiristas faleceram em decorrência de problemas cardíacos. 

A Cardiologista Rachel Victer ressalta que não há uma relação direta da Capoeira com o infarto, mas, por ser uma atividade de alta performance, o coração acaba trabalhando muito.

A pergunta que eu te faço, caro Capoeirista, é: Estamos negligenciando a nossa saúde e de nossos alunos?

A verdade é que os capoeiristas não se veem como atletas e, por isso, acabam não dando a devida importância aos cuidados com a saúde.

O que é mais comum do que sair de uma roda de Capoeira e se reunir para uma cervejinha, ou um churrasco, ou os dois? Pois é, não estou aqui ditando regras para vida de ninguém, eu mesma sou adepta desses pecadinhos, mas, é importante dizer que maus hábitos alimentares, o consumo de álcool e drogas estão diretamente ligados aos problemas cardíacos.

O Monitor Benny, 28 anos, filho do querido Mestre Bené, foi um dos trágicos casos ocorridos no mês passado. Durante uma roda de Capoeira ele se sentiu mal e faleceu. Em jovens o risco do infarto ser fatal é ainda maior, "O coração jovem tem a circulação colateral ( que são pequenos vasos que ligam as principais artérias do coração) pouco desenvolvida. Isso aumenta o impacto do infarto no coração.", explica a Dra. Rachel. 

É importante esclarecer que nem toda morte súbita é infarto, "Existem outras causas de morte súbita em jovens como morte por arritmia cardíaca, por doença congênita cadíaca, doença da aorta, ruptura de aneurisma cerebral que também podem ser precipitados pelo exercício. Porém, a sociedade tem o hábito de taxar de infarto qualquer morte que ocorra assim, subitamente.", esclareceu a médica.

São fatores de risco para infarto: 


  • Hipertensão; 
  • Diabetes;
  • Colesterol alto;
  • Tabagismo;
  • Sedentarismo;
  • Uso de drogas;
  • Obesidade;
  • Stress;
  • História familiar de infarto ou angina.

Quando devo procurar um cardiologista?

  • Quem não tem história familiar de doença cardíaca: Homens aos 45 anos e mulheres aos 50 anos;
  • Quem tem história familiar de doença cardíaca: Homens aos 30 anos e mulheres aos 40 anos, 
  • Quem apresenta qualquer sintoma como: cansaço, dor no peito, fadiga, ou palpitação, independente da idade, antes de iniciar qualquer atividade física.
E é aí que entra a pesquisa que eu fiz no Facebook no mês passado. Assim como eu, 55,3% dos entrevistados nunca precisou de atestado médico para a prática da Capoeira.


A cardiologista ainda explica que, pelas diretrizes atuais, não é obrigatória a apresentação de atestado médico para a prática de atividades físicas nos casos de pessoas que não possuem histórico de doença cardíaca na família, nem apresentam os sintomas citados (cansaço, dor no peito, fadiga, ou palpitação), no entanto, muitos esportes exigem a apresentação do atestado, o que para ela é importante.

A Prevenção do infarto passa pelo controle dos fatores de risco acima citados, além de acompanhamento cardiológico periódico. Não podemos fechar os olhos para a nossa saúde e, como educadores, precisamos tornar o atestado médico uma exigência para a prática da Capoeira. Só assim evitaremos, ou ao menos diminuiremos, os casos de mau súbito na Capoeira.

Muito obrigada a todos que responderam ao questionário! Agradecimentos especiais à médica que gentilmente nos orientou para a matéria. Bjos, Senhorita!


Dra. Rachel Victer

Pós graduada em Cardiologia pela Universidade Federal Fluminense ( UFF)

Especialista em Cardiologia pela Sociedade Brasileira de Cardiologia

Rua Moreira Cesar 26 sala 1119. Icaraí. Niterói/RJ

Tel: (21) 2719-6616


Ficou interessado no discurso do Mestre Camisa que eu citei? Parte dele está disponível no nosso canal no Youtube, toma aqui um link. Aproveita e se inscreve lá que tem sempre conteúdo de qualidade!

Imagem do Google

quarta-feira, 3 de maio de 2017

União leva a Londres

Mulheraça tem sua primeira edição internacional





Rio de Janeiro - Brasil

Sabe aquela história que nós ouvimos a vida inteira de que a classe feminina é desunida? Pois é, 11 capoeiristas estão provando que a verdade é bem outra, a união faz a força e, nesse caso, leva a Londres.


Tudo começou em 2007, quando a Instrutora Fran, supervisionada pelo Mestre Buiú, Rede Anca, realizou a primeira edição do evento Mulheraça, em Minas Gerais. 

Feito de mulher para mulher, focado na Capoeira e na cultura popular, Mulheraça é um espaço para fazer amigos e trocar conhecimentos, independente de sotaques e bandeiras. 

O sucesso foi tanto que, após sete edições, as últimas três ocorridas em São Paulo, o evento Mulheraça arruma as malas e desembarca em Londres, Inglaterra, para mostrar que lugar de mulher é onde ela quiser. E quando ela quer, ah, meu amigo, aí ninguém segura.

Uma parceria entre grupos, algo bem pouco usual no meio da Capoeira, permitiu que o Contramestre Hiram, do Club London, levasse o Mulheraça para a Terra da Rainha nos dias 16, 17 e 18 de junho. 


Conheça as integrantes da equipe Mulheraça Brasil

Junto com a edição internacional do evento surgiu a vontade de participar desse momento tão importante e, como nada cai do céu, 11 mulheres de grupos, estados, graduações e idades diferentes foram atrás desse objetivo. São elas:

Mestranda Sinhá - Rede anca - SP
Mestranda Kelly -  Rede anca - MG
Contramestre Sereia - Capoeira Bonfim - SP
Professora Longui - Grupo Candieiro - SP
Instrutora Fran -  Rede Anca - MG
Monitora Jeanne - Capoeira Bonfim - SP
Graduada Borboleta - Casa da Iúna - SP
Graduada Fofa - Capoeira Bonfim - SP
Graduada Navalha - SP
Aluna Goianinha - Capoeira Senzala - SP

A primeira barreira encontrada foi a financeira, mas sabe como é, né, elas deram um jeitinho, se uniram, fizeram rifas, eventos, vaquinha e, mesmo longe do valor total para bancar integralmente a viagem das 11, conseguiram uma boa ajuda para realizar esse sonho.

A busca agora é por uma empresa que abrace a ideia e tope vesti-las durante os três dias. A equipe precisa de um uniforme e a contrapartida é, sem dúvidas, muito bacana. Quer ver a sua marca nos principais pontos turísticos de Londres e ainda ligada a uma iniciativa cultural genuinamente brasileira? Essa é a hora. Entre em contato no e-mail e saiba como participar.

Ah, o evento terá cobertura do Blog Capoeira de Toda Maneira e em nossas redes sociais vocês poderão acompanhar tudo o que rola por lá.

Que venha Junho, que venha Mulheraça!

Imagem de arquivo pessoal




terça-feira, 2 de maio de 2017

Entrevista

Mestre Márcia
Sangue Negro


Márcia José Vieira, Mestre Márcia, nasceu em São Gonçalo, no estado do Rio de Janeiro, em 18 de junho de 1962. Ela foi a primeira mulher a receber o título de mestre em sua cidade, um grande feito para quem,  na década de 1980, era uma das poucas meninas a frequentar rodas de Capoeira. 
Mesmo a contragosto de sua mãe e enfrentando o machismo presente na Capoeira, Mestre Márcia seguiu seu caminho, "Durante algum tempo era apenas eu em meu grupo. Me tratavam como uma peça intocável, mas quando eu acertava alguém, o atingido parecia que ia morrer por ter sido atingido por uma mulher.", contou. De posicionamentos bem definidos, Mestre Márcia também faz parte da Liga Gonçalense de Capoeira como tesoureira e é dirigente de uma escola de Samba. Achou pouco? Então vem conhecer a história dela mais de perto.

*A entrevista a seguir foi realizada em Abril de 2017 e é inédita e exclusiva do Blog Capoeira de Toda Maneira 


(Maíra Gomes) - Como a senhora começou na Capoeira?



(Mestre Márcia) - Comecei capoeira em 1980, no grupo Modelo Cultural Kikongo, com o Mestre Machado. Ele afirma que comecei no final de 1978, então, eu tinha 16 ou 17 anos.

(Maíra Gomes) - Sua família reagiu bem, te incentivaram?

(Mestre Márcia) - Minha mãe nunca disse para eu não fazer capoeira, mas não gostava. Nunca assistiu um treino, foi apenas a uma apresentação no teatro porque minhas tias disseram para ela que se elas iriam como tias, porque ela  como minha mãe não? Nunca esteve no espaço onde dou aula desde 1988 (minha mãe em memória). Tive o apoio de todos os meus irmãos, somos 10, só eu fazia capoeira até eu começar a dar aula. Hoje tenho vários sobrinhos, primos e etc. Nem todos comigo treinam comigo.

(Maíra Gomes) - Como foi sua caminhada até a fundação da Associação Sangue Negro?

(Mestre Márcia) - Não foi fácil. Durante algum tempo era apenas eu em meu grupo. Me tratavam como uma peça intocável, mas quando eu acertava alguém, o atingido parecia que ia morrer por ter sido atingido por uma mulher. Aí finalmente surgiu outra, juntas fomos ganhando espaço e os rapazes devagar começaram a aceitar mais quando eram atingidos. Isso dentro do meu grupo, mas nem sempre. Em roda fora baixava o desespero nos mestres quando eu atingia seus alunos. Era difícil admitir que a única mulher na roda poderia atingir um dos machões. Foi bastante tempo de só eu em rodas, dificilmente apareciam outras, mas sobrevivi. As coisas hoje não mudaram muito, os homens ainda acham absurdo ser atingido por mulher, muitas vezes é um deus nos acuda.

(Maíra Gomes) - A senhora foi a primeira mulher a ser formada mestre em São Gonçalo, um grande incentivo para outras mulheres, tendo a senhora como espelho, uma referência. Quem foi a sua referência feminina na Capoeira?

(Mestre Márcia) - Vi apenas três mulheres na primeira vez que vi uma roda de capoeira. Não chegou a ser uma referência, pois, não foram elas que me levaram a praticar capoeira, nem tive contato com elas. Raramente as vejo, uma até parou. Mas com certeza sou a referência de muitas mulheres.

(Maíra Gomes) - Porque decidiu fundar um grupo?

(Mestre Márcia) - Passei 7 anos na Kikongo. Saí de lá professora. Tive problemas com o meu mestre, o que me rendeu uma expulsão. Para não parar eu fui incentivada por amigos que queriam treinar comigo. Comecei a dar aula, fui parar em um grupo, ficando pouco mais de dois meses. Assim cheguei ao Mestre Chita, que tinha o grupo "Filhos de Omulú". Surgiram outros problemas, meus alunos eram na maioria de famílias católicas, então, conversei com o Mestre Chita e assim, numa  gincana entre meus alunos, surgiu o nome "Sangue Negro". Tenho o apoio até hoje do Mestre Chita e do mestre que me expulsou, Mestre Machado.

(Maíra Gomes) - Qual foi o maior desafio nesses anos de capoeira em um ambiente majoritariamente masculino, sentiu algum tipo de preconceito? 

(Mestre Márcia) -  O preconceito sobre a mulher capoeirista é demais. Meus alunos são cantados a todo momento e sempre escutavam "Vai ficar treinando com mulher". Recentemente tive um mal estar com um mestre, pois um rapaz que treinava com ele resolveu treinar comigo. Nossa, ele perdeu a compostura, ficou feia a coisa. Venho passando por situações assim desde que comecei a dar aula. É "osso", só gostando muito mesmo!

(Maíra Gomes) - O que a senhora pensa sobre os diversos sistemas de graduação existentes da capoeira? A graduação deveria ser padronizada para todos os grupos? 

(Mestre Márcia) - Eu gostaria que todos tivéssemos o mesmo sistema de graduação. Acho que enquanto isso não mudar, as pessoas que não se importam com a Capoeira vão continuar desvalorizando este esporte tão bonito e as autoridades chamando de bagunça. Eu uso o sistema da Confederação, colocando algumas pontas para ganhar tempo com os alunos.

(Maíra Gomes) - O que influencia mais na permanência da mulher na capoeira?

(Mestre Márcia) - As mulheres se entregam a Capoeira quando estão sozinhas, sem marido, namorado, nenhum relacionamento. Ou entram para a Capoeira exatamente para conquistar alguém. Por mais que gostem, acabam se afastando por começarem a ter problemas em sua relação, assim a Capoeira normalmente perde. Claro, existem exceções.

(Maíra Gomes) - A senhora é tesoureira da Liga Gonçalense de Capoeira. Como surgiu o convite para fazer parte da Liga?

(Mestre Márcia) - Eu sempre tive o convite para fazer parte da Liga, mas não queria. Apenas nesta gestão resolvi participar, mas já penso em sair. São muitos problemas e nada de verbas. Sem verbas, sem trabalho, mas os problemas surgem, não vale a pena tantas perturbações. 


(Maíra Gomes) - Qual a sua principal característica como educadora?

(Mestre Márcia) - As crianças costumam gostar de mim. Eu sou de tudo um pouco, canto, brinco, danço, conto da história, toco pandeiro, berimbau, atabaque, me divirto com eles. Porém, elas brigam, batem uma nas outras, mordem, sobem nas coisas, entre outras coisas que acontecem, aí Tia Márcia briga, as vezes coloca sentadinhas, mas não demora estamos nos beijando, nos abraçando, assim tudo é festa. Nos piores momentos da minha vida, entre elas a morte de minha mãe, foram eles que me ajudaram a superar, acho até que evitaram a minha depressão.

(Maíra Gomes) - Queria que a senhora contasse um pouco sobre a sua relação com o Carnaval:

(Mestre Márcia) - Eu sou dirigente de uma Escola de Samba, a G.R.E.S. Arco Íris do Boaçu, que é dirigida por sete mulheres, eu e mais 6 irmãs. É uma adrenalina gostosa colocar a escola na avenida, não tenho explicação. O que a Capoeira e o carnaval tem em comum? A alegria e o fato de eu não conseguir ficar longe dos dois.

Contato

Imagem de arquivo pessoal

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