Mestre Cid
Capoeira Terranossa
Nascido em 28 de Março de 1957, no Rio de Janeiro, Milciades Ferreira da Costa Dourado, hoje conhecido por toda a comunidade capoerística como Mestre Cid, diz que o reconhecimento dos alunos é muito gratificante pra ele, "Os alunos são tudo na minha vida!", afirmou em um bate-papo descontraído. O mestre que hoje dá aulas todos os dias da semana, em vários horários diferentes, foi seguido um dia inteirinho, porque essa era única maneira de conseguir uma entrevista, já que nos fins de semana, seu tempo é dividido entre eventos de capoeira e a família. O pouco tempo que tem para descansar é dedicado à esposa e a seus dois filhos, Raphael e Amanda.
Família, profissão e reconhecimento foram os temas da nossa entrevista, que está imperdível e emocionante.
*A entrevista a seguir é uma compilação de duas entrevistas feitas anteriormente (2006 e 2008) e publicadas no Blog Nyx e no site da Associação de Capoeira Terranossa.
*A entrevista a seguir é uma compilação de duas entrevistas feitas anteriormente (2006 e 2008) e publicadas no Blog Nyx e no site da Associação de Capoeira Terranossa.
(Maíra Gomes) - Como e quando o senhor começou a treinar capoeira? Em que grupo e com que mestre?
(Mestre Cid) – Eu comecei a treinar capoeira com 15 para 16 anos em Laranjeiras, após uma apresentação de um grupo de capoeira "Furacões da Bahia" numa churrascaria na Rua das Laranjeiras, que meu pai levou as crianças, né?! Aí nós ficamos impressionados com aquela apresentação. Meu pai tinha uma condição boa na época, uma casa muito grande, contratou o grupo pra fazer a apresentação dentro da minha casa. O interesse foi grande, o Cebolinha (hoje mestre na Bahia) ficou morando na minha casa e ficou dando aula pra gente lá nos fundos, comecei a treinar capoeira nessa época. Mas depois no Grupo Senzala, eu treinei com Mestre Camisa (hoje mestre do grupo Abadá), Mestre Peixinho, Mestre Cláudio Moreno, Mestre Gato, Mestre Sorriso, Mestre Garrincha. Eu era muito fominha, treinava de manhã, de tarde e de noite.
(Maíra Gomes) - O senhor sofreu um acidente de moto em 1977, aos 20 anos. Esse acidente lhe fez perder a visão da vista esquerda. Como o senhor encarou o problema? Isso atrapalhou a sua permanência na capoeira?
(Mestre Cid) – Totalmente. Atrapalhou muito, porque você tem que reaprender a viver, você perde a noção de profundidade, você perde tudo. Fora o psicológico né?! Você fica abalado. De uma hora pra outra, você saber que vai ficar limitado por causa de uma visão. Mas como eu sempre fui muito radical em certas coisas, eu botei na minha cabeça que eu ia superar, que eu não ia para o lado errado.Treinei mais, voltei a fazer tudo, jogar bola, que eu jogava, treinar capoeira e cada vez treinar mais, para tentar superar isso aí e provar para todo mundo que eu era capaz. Da minha geração o único que se formou fui eu.
(Maíra Gomes) - Antes de ministrar aulas de capoeira o senhor chegou a trabalhar em outras atividades?
(Mestre Cid) – Várias atividades. Mecânico de refrigeração, eu tive bar, tive lanternagem e pintura também. Várias atividades e cursei faculdade de direito até o quarto período.
(Maíra Gomes) - Quando o senhor descobriu que queria dar aulas de capoeira?
(Mestre Cid)– Eu ajudava nas aulas. Eu só ajudava, mas não tinha o meu trabalho. Aí aqui treinando junto com o Mestre Batata, ele começou a passar a responsabilidade para mim, de horário, de chegar, de ter que ficar dando aula e isso me fez ter muita vontade de ter essa responsabilidade. E me fez muito bem também, porque eu sempre fui uma pessoa muito tímida, isso tava mexendo comigo, tava me ajudando bastante a desenvolver esse lado de deixar de ser tímido.
(Maíra Gomes) - Que outra profissão o senhor teria tido senão tivesse ingressado na capoeira?
(Mestre Cid)– Eu tentei a faculdade de direito, mas descobri que não era a minha praia, tava só gastando dinheiro, que eu trabalhava para poder pagar a faculdade e não ia ser isso. A profissão que eu tenho é técnico em contabilidade e técnico de refrigeração, que essa profissão eu exercia muito bem, mas chegou a "encher o saco".
(Maíra Gomes) - O senhor tem um trabalho muito forte em Icaraí, principalmente com crianças. Trabalho esse que vem sendo desenvolvido há 30 anos. Além das aulas infantis nas academias, o senhor também dá aulas em escolas como "Cirandinha", "Marly Cury", Mv1 dentre outros. Colégios que atendem uma classe privilegiada de Niterói. É mais difícil atender esse público? O senhor tem autonomia na sua metodologia de ensino ou há alguma interferência da escola?
(Mestre Cid) – Não é mais difícil. É gratificante porque o salário é bom, a gente ganha muito bem. Hoje o professor de capoeira dando aula em escolas particulares, se brincar, ganha mais que um médico, que deveria ser melhor remunerado. Mas um professor de capoeira, hoje ganha muito bem. É muito gratificante para quem gosta de criança, para quem gosta de trabalhar com criança. Não vejo nenhuma dificuldade em trabalhar com criança. Em relação à interferência da escola, de maneira nenhuma, porque a partir do momento que você desenvolve um bom trabalho ninguém vai opinar, mas se o trabalho não tivesse sido bem desenvolvido haveria interferência da escola. Até hoje, nunca houve interferência não. Tem planejamento de aulas, eu tenho uma equipe boa de professores, a gente está sempre tentando melhorar.
(Maíra Gomes) - Esse trabalho com crianças, devido à classe social que ele atinge, é mais difícil de ser feito?
(Mestre Cid) – Com certeza. É muito mais difícil e requer muito mais atenção do que você dar aula numa comunidade. A aula numa comunidade, o aluno ta ali porque quer mesmo, quer fazer, não é modismo. Uma certa parte na rede particular é um pouco de modismo. Através da mídia, a capoeira ta na mídia, aí os pais colocam os filhos, mas a partir do momento que eles tem o contato com a capoeira, gostam. Mas tem que ter todo aquele cuidado, não pode ter um machucado, não pode cair, não pode nada. Tem que ter todo um cuidado maior. Em relação às comunidades já não. Já ta no sangue.
(Maíra Gomes) - O senhor foi homenageado no ano de 2004 com uma menção honrosa na Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Como foi receber essa homenagem?
(Mestre Cid) – Foi muito legal. Fiquei muito feliz. Foi uma coisa assim que eu não esperava que fosse tão legal. Achei muito legal mesmo, mas ficaria muito mais feliz se fosse Niterói que é minha cidade.
(Maíra Gomes) - Há um tempo atrás houve uma tentativa de regularizar a capoeira, fazendo com que os profissionais de capoeira fizessem cursos, para ter seu número do CREF/CONFEF (Conselho Regional de Educação Física/ Confederação de Educação Física) e assim terem uma espécie de licença para dar aula. Essa intervenção do conselho para o senhor é benéfica? Na sua opinião essa regulamentação é necessária? Como está essa situação atualmente?
(Mestre Cid) – Muito benéfica. Vai credenciar melhor o profissional. E não parou não. O CREF ta em cima. Porque aí você vê, para você dar aula numa escola boa hoje tem que ter referência, se você não tem o CREF de cara você não vai. Montou uma academia nova, você quer dar aula lá, chega um garoto pra dar aula à primeira coisa que eles vão fazer é pedir CREF. Isso é muito legal. Agora em relação aos mestres antigos, é um direito adquirido, não tem como a lei ser retroativa. Mas isso aí daqui pra frente vai obrigar o profissional de capoeira a se interessar, a estudar. E eu fiz dois anos de CREF.
(Maíra Gomes) - O senhor sempre esteve muito envolvido com trabalhos sociais, campanhas, dando aulas para pessoas menos favorecidas, ajudando da maneira que pode os menos privilegiados. Qual a importância da capoeira pra esses jovens e crianças e como pretende continuar esse trabalho social?
(Mestre Cid)– A importância é toda. Para criança ocupar o tempo, não ficar à toa, não ficar pensando em besteira. Ta aprendendo uma defesa, é uma luta, é um esporte e é uma profissão. É uma profissão que hoje você vê muita gente vivendo de capoeira aí. Quem vive só de capoeira, como é o meu caso, vive bem. Agora quem não acredita na capoeira, trabalha um pouquinho na capoeira, trabalha um pouquinho ali, não acredita, eu acho que nunca vai crescer na capoeira, mas é uma profissão hoje. Tem vários exemplos dentro do grupo, gente que não tinha perspectiva nenhuma de vida, hoje ta bem de vida.
(Maíra Gomes) – E como esse trabalho continua sendo desenvolvido hoje?
(Mestre Cid) – É difícil, ta muito difícil. Porque ano eleitoral, ano que tem eleição, fica mais fácil, tem um apoio, coisa e tal, vem uns projetinhos. Depois que são eleitos eles somem. Mas agora a gente ta com uma meta, para um novo espaço para o pessoal carente, nas comunidades. To tentando desenvolver isso aí.
(Maíra Gomes) - Como em todos os esportes, há uma rivalidade entre alunos de alguns grupos. Como o senhor vê essa rivalidade? Ela vem só dos alunos, ou alguns mestres apoiam esse tipo de rixa?
(Mestre Cid) – A capoeira para quem não sabe, funciona igual futebol. Flamengo, Vasco, Fluminense, a rivalidade é natural. Por um lado é até benéfica, porque as pessoas vão desenvolvendo mais naquela competitividade e vão melhorando. Geralmente é a cabeça dos alunos, "ah meu mestre é melhor do que o seu!", para um mestre isso é muito difícil, se é um mestre de capoeira mesmo, não vai ter essa besteira não. Agora se é um cara que dá aula de capoeira e tem outra profissão e o cara não vive de capoeira mesmo, aí tem cabeça pequena ainda.
(Maíra Gomes) - A influência da mídia é algo muito forte na vida dos brasileiros, talvez no mundo todo seja assim. O senhor sente nas academias em que dá aula, como a mídia influência à entrada de novos alunos na capoeira?
(Mestre Cid)– Com certeza, se não fosse a mídia à gente tava estagnado. A mídia é tudo, a capoeira chegou aonde chegou através da mídia e dos bons profissionais.
(Maíra Gomes) - O reconhecimento que mais emociona é o dos alunos ou da comunidade capoeirística?
(Mestre Cid) – Dos alunos sem dúvidas. A comunidade capoerística rola uma rivalidade ainda, tem sempre um querendo puxar o tapete do outro. Os alunos são tudo na minha vida.
(Maíra Gomes) - Mestre Pastinha dizia que o capoeirista não podia viver de capoeira. Apesar de todas a s dificuldades muitas pessoas tiveram uma chance na vida, se tornando profissionais de capoeira. Como o senhor vê essa questão contraditória?
(Mestre Cid) – Mestre Pastinha falava que não podia viver de capoeira porque na época a capoeira era marginalizada, hoje em dia a capoeira é uma profissão. Hoje é reconhecido o Mestre de capoeira. Quem vive de capoeira como eu falei anteriormente, vive bem hoje, acreditando na capoeira vive bem, é só trabalhar. Você quer viver de capoeira, dá aula o dia inteiro. Você não vai querer viver de capoeira dando uma aula por dia e vai querer ganhar bem?! Se você der aula o dia inteiro, acreditar na capoeira, a capoeira vai te dar um retorno.
(Maíra Gomes) - Ser Mestre é muita responsabilidades e é também o sonho de muitos capoeiristas. O senhor sabia desde o início que seguiria na capoeira até chegar a mestre? Era um sonho? O que mudou na sua cabeça quando o senhor foi graduado Mestre?
(Mestre Cid) – Ser mestre não é ser graduado, é uma conseqüência do tempo. Quando eu peguei minha corda de mestre em 1995, a corda não dizia nada que eu era mestre, só o tempo ia dizer, o trabalho, o reconhecimento dos alunos, da sociedade, desenvolver um trabalho. Porque não adianta você pegar uma corda de mestre hoje e amanhã você parar, você vai ser mestre de quem? Mestre de você mesmo? Eu sempre quis ser professor, ser mestre seria a conseqüência, o professor pra mim era dar aulas, ter o contato, botar pra fora a timidez, falar em público, realizar eventos, dor de estômago por ta nervoso no evento, hoje em dia já não acontece mais, graças a deus.
(Maíra Gomes) - Dentro das suas turmas de alunos nós podemos ver várias classes sociais. A capoeira é acima de tudo uma arte com valores de igualdade, liberdade, fraternidade, respeito, conceitos esses muito fortes, que estão embutidos na própria filosofia da capoeira. O senhor já presenciou alguma forma de preconceito entre os seus alunos?
(Mestre Cid) – Dentro dos meus treinos, entre os meus alunos, o preconceito que eu sempre observei, mas tento corrigir é em nível de talento, por ser melhor, não por racismo. Pelo contrário "Ah o outro é melhor", "Tem mais atenção", é mais um ciúme. Eu sempre costumo conversar com os alunos a respeito disso "Quando você entrou na capoeira, se você não tivesse uma atenção, você não estaria hoje na capoeira".Porque da minha turma eu era o que tinha menos jeito e mesmo assim to até hoje.
(Maíra Gomes) - Como é a responsabilidade de ser presidente de um grupo?
(Mestre Cid) – Muito grande, uma ocupação total. Tem que se dedicar 24 horas por
dia à capoeira, senão não dá não. É muita responsabilidade, mas sempre fui muito
responsável e determinado, desde criança, graças a meus pais.
(Maíra Gomes) – E muda a maneira de pensar depois que se torna presidente de um grupo, por causa da parte burocrática que começa a aparecer mais?
(Mestre Cid) – É muito diferente, né? Tem que ser mais flexível, ouvir todo mundo. Tem sempre que fazer reuniões do grupo, porque é cobrança o tempo todo. Isso se quiser
crescer, né?!
(Maíra Gomes) - Hoje o grupo está sediado em Niterói, mas foi fundado na áfrica do sul, como o senhor vê esse intercâmbio entre nações?
(Mestre Cid) – Fantástico né? Capoeira e áfrica, tudo a ver. Deus sempre foi muito bom pra mim.
(Maíra Gomes) – Porque foi ao contrário, geralmente os grupos nascem no Brasil e ganham o mundo e dessa vez não, o senhor vê alguma diferença?
(Mestre Cid) – Não porque o Amilcar (Instrutor Descobridor), ele já tinha treinado comigo aqui no Brasil. Depois ele passou mais um tempo com os alunos dele aqui e treinou comigo novamente. Depois nessa viagem a África do Sul surgiu essa idéia de presidir o grupo. Mestre Mintirinha me disse “Levanta a cabeça e vai em frente, poucos já estiveram na
África”, e eu agradeço a ele pelo apoio.
(Maíra Gomes) - Em relação à técnica, como está a capoeira na África do sul?
(Mestre Cid) – Muito legal, até porque já existia esse intercâmbio, de treinar aqui, então a gente fala a mesma língua. A capoeira ta atualizada. Eu tenho ido, tenho ensinado e tenho aprendido muito também.
(Maíra Gomes) – Mestre, vou terminar muito obrigada pela oportunidade.
(Mestre Cid) – Valeu!
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Mestre Cid:
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Telefone: ( 21) 92175976
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