MESTRE CLEIDE
Grupo Terra
Maria Cleide Tomaz Duarte nasceu em 28 de agosto de 1968, no Ceará, mas foi no Rio de Janeiro que encontrou sua morada ainda criança.
Mestre Cleide fundou o Grupo Terra junto com seu Mestre e marido, Mestre Mintirinha.
Desde 94 na Capoeira, a mestre acredita no sistema de graduação criado por Mestre Mendonça como uma forma de organização, "Não me vejo no direito de bagunçar o que está direito.", contou.
Apesar de já ter enfrentado situações no mínimo desrespeitosas por ser mulher num ambiente majoritariamente masculino, Mestre Cleide acredita na delicadeza como arma para dissolver situações discriminatórias e foi assim, com toda a delicadeza que lhe sobra, que ela nos acolheu desde o primeiro contato, gentil e disposta.
*A entrevista a seguir foi realizada em Abril de 2017 e é inédita e exclusiva do Blog Capoeira de Toda Maneira
(Maíra
Gomes) – Como a senhora começou na Capoeira?
(Mestre
Cleide) – Vi uma apresentação na rua e gostei. Procurei o
responsável pelo grupo na época e me matriculei. Treinei por um
ano, peguei a primeira graduação. Mestre Mintirinha foi meu
padrinho, nos conhecemos nesse grupo.
(Maíra
Gomes) – Há alguns anos, quando entrevistei o Mestre Mintirinha
aqui para o blog, ele me contou que quando vocês se conheceram eram
de grupos diferentes e que ao ficarem juntos decidiram criar o Grupo
Terra. Foi isso mesmo? Conta como foi essa decisão e o que
influenciou na sua trajetória como Capoeirista.
(Mestre Cleide) – O “Mintirinha” tinha um desenho de um tronco em forma
de berimbau e me disse que queria fundar um grupo chamado Terra e que
deveria ter aquele símbolo. Gostei do desenho, gostei dele e nos
conhecemos melhor. No ano de 94 fundamos o Grupo Terra e nos
casamos.
(Maíra
Gomes) – Como foi sua caminhada até a fundação do Grupo Terra?
(Mestre Cleide) – Comecei em 92 depois de ter visto uma apresentação na
rua. Fiquei encantada e fui buscar onde era aquele grupo. Me
matriculei e comecei a treinar lá por um ano. Tive um
desentendimento com outra integrante do grupo, saí e fui treinar em
outro grupo, mas fiquei pouco tempo, pois, logo Mintirinha e eu
inauguramos o Terra. Então, todas as outras graduações vieram do
Mestre Mintirinha.
Em
2010 recebi minha graduação de mestre. Na verdade, relutei um
pouco, pois eu não tinha a intenção de chegar a tanto. Sempre
pratiquei capoeira por gostar mesmo dos toques, da ginga e todo o
conjunto, não por graduação. Eu as recebia pelo tempo que tinha e
pela dedicação. Desde quando era cordel amarelo já ensinava as
crianças do grupo e até hoje esta responsabilidade é minha –
Ninguém quer essa responsabilidade, dizem não terem paciência –.
O Grupo Terra foi fundado em 94, hoje temos mais ou menos uns dez
mestres formados, três filiais e diversos alunos já passaram por
nosso grupo. Espero que continuemos com esse trabalho. Enquanto eu
tiver forças e conseguir gingar vou tentando. Quando não der mais,
sigo cantando!
(Maíra
Gomes) – A senhora acha que as graduações da Capoeira deveriam
ser padronizadas para todos os grupos?
(Mestre Cleide) – Sim. As outras lutas que seguem graduação, são únicas,
porque na capoeira deve ser diferente? Eu uso a graduação de
cordéis nas cores do Brasil. A mesma que foi criada por Mestre
Mendonça, falecido a pouco. Mas cada um faz o que bem entende. Para
mim é uma pena, pois, assim perde-se a organização, que não
temos. Fica difícil identificar um mestre que usa graduação
diferente. Se fosse padrão, não teríamos essa dificuldade. Cada um
deve ter seu motivo para criar suas graduações, mas continuarei com
a que uso desde quando iniciei na capoeira, por respeito ao trabalho
daqueles que trabalharam para padronizar as graduações. Não me
vejo no direito de bagunçar o que está direito.
(Maíra
Gomes) – A senhora trabalha com Capoeira, tem outra ocupação?
(Mestre Cleide) – Sou pedagoga, trabalho em um colégio que tem da educação
infantil até o terceiro ano do ensino médio. Sou auxiliar de
coordenação. E, as terças e quintas, dou aula para as crianças no
Grupo Terra.
(Maíra
Gomes) – O que o título de mestre significa para a senhora?
(Mestre Cleide) – O título significa para mim uma conquista. Anos de
dedicação a essa arte que tanto amo praticar. Significa ser
exemplo, respeitar as diferenças e fazer a diferença na vida de
alguém.
(Maíra
Gomes) – A Capoeira tem muito mais homens mestres do que mulheres
nessa mesma graduação. O que a senhora acha que é possível fazer
para incentivar a permanência da mulher na capoeira?
(Mestre Cleide) – Nós estamos conquistando nosso espaço nas artes
marciais com mais rapidez agora. Hoje se vê muitas mestres, fico
feliz com esse avanço. Somos tão boas quanto qualquer homem.
(Maíra
Gomes) – A senhora já enfrentou algum tipo de discriminação por
ser mulher dentro da Capoeira? Se sim, como lidou com isso?
(Mestre Cleide) – Sim, já tomaram o berimbau da minha mão. Já esqueceram
de me apresentar como mestre, pois estava em uma roda que só tinha
mestres homens. Mas levo sem problemas. Vou conquistando meu espaço
com meu jeito delicado, sem brigar, vou em uma roda, peço para tocar
um instrumento, entro na roda jogo sem atacar ninguém. Procuro
fazer amigos, sempre fui assim. Nunca gostei de estragar roda de
ninguém, para ninguém estragar a minha.
(Maíra
Gomes) – Qual a sua visão sobre a Capoeira hoje e como espera que
ela esteja em 20 anos?
(Mestre Cleide) – A capoeira está sofrendo muito rápido transformações.
Muitas graduações, muitos mestres, atletas muito bem preparados,
mas perdeu um pouco os momentos em que ia-se visitar um amigo em sua
roda, onde nós íamos para jogar capoeira, sem rivalidade, para
trocar ideias, ouvir os mestres mais velhos. Hoje tem roda de mês é
um quebra-quebra, todo mundo querendo matar todo mundo. Não tenho
mais idade para trocar socos com ninguém. Prefiro hoje ficar em meu
canto. Todos os sábados fazemos roda. Todos que quiserem podem
aparecer, mas para jogar capoeira, quem quiser brigar que vá
procurar outro lugar. Zelamos pela integridade física dos nossos
alunos.
Imagem de arquivo pessoal
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