quarta-feira, 19 de abril de 2017

Entrevista

MESTRE CLEIDE

Grupo Terra



Maria Cleide Tomaz Duarte nasceu em 28 de agosto de 1968, no Ceará, mas foi no Rio de Janeiro que encontrou sua morada ainda criança. 
Mestre Cleide fundou o Grupo Terra junto com seu Mestre e marido, Mestre Mintirinha.
Desde 94 na Capoeira, a mestre acredita no sistema de graduação criado por Mestre Mendonça como uma forma de organização, "Não me vejo no direito de bagunçar o que está direito.", contou.
Apesar de já ter enfrentado situações no mínimo desrespeitosas por ser mulher num ambiente majoritariamente masculino, Mestre Cleide acredita na delicadeza como arma para dissolver situações discriminatórias e foi assim, com toda a delicadeza que lhe sobra, que ela nos acolheu desde o primeiro contato, gentil e disposta.

*A entrevista a seguir foi realizada em Abril de 2017 e é inédita e exclusiva do Blog Capoeira de Toda Maneira

(Maíra Gomes) – Como a senhora começou na Capoeira?

(Mestre Cleide) – Vi uma apresentação na rua e gostei. Procurei o responsável pelo grupo na época e me matriculei. Treinei por um ano, peguei a primeira graduação. Mestre Mintirinha foi meu padrinho, nos conhecemos nesse grupo.

(Maíra Gomes) – Há alguns anos, quando entrevistei o Mestre Mintirinha aqui para o blog, ele me contou que quando vocês se conheceram eram de grupos diferentes e que ao ficarem juntos decidiram criar o Grupo Terra. Foi isso mesmo? Conta como foi essa decisão e o que influenciou na sua trajetória como Capoeirista.

(Mestre Cleide) – O “Mintirinha” tinha um desenho de um tronco em forma de berimbau e me disse que queria fundar um grupo chamado Terra e que deveria ter aquele símbolo. Gostei do desenho, gostei dele e nos conhecemos melhor. No ano de 94 fundamos o Grupo Terra e nos casamos.

(Maíra Gomes) – Como foi sua caminhada até a fundação do Grupo Terra?

(Mestre Cleide) – Comecei em 92 depois de ter visto uma apresentação na rua. Fiquei encantada e fui buscar onde era aquele grupo. Me matriculei e comecei a treinar lá por um ano. Tive um desentendimento com outra integrante do grupo, saí e fui treinar em outro grupo, mas fiquei pouco tempo, pois, logo Mintirinha e eu inauguramos o Terra. Então, todas as outras graduações vieram do Mestre Mintirinha.
Em 2010 recebi minha graduação de mestre. Na verdade, relutei um pouco, pois eu não tinha a intenção de chegar a tanto. Sempre pratiquei capoeira por gostar mesmo dos toques, da ginga e todo o conjunto, não por graduação. Eu as recebia pelo tempo que tinha e pela dedicação. Desde quando era cordel amarelo já ensinava as crianças do grupo e até hoje esta responsabilidade é minha – Ninguém quer essa responsabilidade, dizem não terem paciência –. O Grupo Terra foi fundado em 94, hoje temos mais ou menos uns dez mestres formados, três filiais e diversos alunos já passaram por nosso grupo. Espero que continuemos com esse trabalho. Enquanto eu tiver forças e conseguir gingar vou tentando. Quando não der mais, sigo cantando!

(Maíra Gomes) – A senhora acha que as graduações da Capoeira deveriam ser padronizadas para todos os grupos?

(Mestre Cleide) – Sim. As outras lutas que seguem graduação, são únicas, porque na capoeira deve ser diferente? Eu uso a graduação de cordéis nas cores do Brasil. A mesma que foi criada por Mestre Mendonça, falecido a pouco. Mas cada um faz o que bem entende. Para mim é uma pena, pois, assim perde-se a organização, que não temos. Fica difícil identificar um mestre que usa graduação diferente. Se fosse padrão, não teríamos essa dificuldade. Cada um deve ter seu motivo para criar suas graduações, mas continuarei com a que uso desde quando iniciei na capoeira, por respeito ao trabalho daqueles que trabalharam para padronizar as graduações. Não me vejo no direito de bagunçar o que está direito.

(Maíra Gomes) – A senhora trabalha com Capoeira, tem outra ocupação?

(Mestre Cleide) – Sou pedagoga, trabalho em um colégio que tem da educação infantil até o terceiro ano do ensino médio. Sou auxiliar de coordenação. E, as terças e quintas, dou aula para as crianças no Grupo Terra.

(Maíra Gomes) – O que o título de mestre significa para a senhora?

(Mestre Cleide) – O título significa para mim uma conquista. Anos de dedicação a essa arte que tanto amo praticar. Significa ser exemplo, respeitar as diferenças e fazer a diferença na vida de alguém.

(Maíra Gomes) – A Capoeira tem muito mais homens mestres do que mulheres nessa mesma graduação. O que a senhora acha que é possível fazer para incentivar a permanência da mulher na capoeira?

(Mestre Cleide) – Nós estamos conquistando nosso espaço nas artes marciais com mais rapidez agora. Hoje se vê muitas mestres, fico feliz com esse avanço. Somos tão boas quanto qualquer homem.

(Maíra Gomes) – A senhora já enfrentou algum tipo de discriminação por ser mulher dentro da Capoeira? Se sim, como lidou com isso?

(Mestre Cleide) – Sim, já tomaram o berimbau da minha mão. Já esqueceram de me apresentar como mestre, pois estava em uma roda que só tinha mestres homens. Mas levo sem problemas. Vou conquistando meu espaço com meu jeito delicado, sem brigar, vou em uma roda, peço para tocar um instrumento, entro na roda jogo sem atacar ninguém. Procuro fazer amigos, sempre fui assim. Nunca gostei de estragar roda de ninguém, para ninguém estragar a minha.

(Maíra Gomes) – Qual a sua visão sobre a Capoeira hoje e como espera que ela esteja em 20 anos?


(Mestre Cleide) – A capoeira está sofrendo muito rápido transformações. Muitas graduações, muitos mestres, atletas muito bem preparados, mas perdeu um pouco os momentos em que ia-se visitar um amigo em sua roda, onde nós íamos para jogar capoeira, sem rivalidade, para trocar ideias, ouvir os mestres mais velhos. Hoje tem roda de mês é um quebra-quebra, todo mundo querendo matar todo mundo. Não tenho mais idade para trocar socos com ninguém. Prefiro hoje ficar em meu canto. Todos os sábados fazemos roda. Todos que quiserem podem aparecer, mas para jogar capoeira, quem quiser brigar que vá procurar outro lugar. Zelamos pela integridade física dos nossos alunos.


Imagem de arquivo pessoal

segunda-feira, 10 de abril de 2017

A palavra do Mestre - Graduações - Parte 4



Mais uma semana e mais seis mestres opinam aqui no Blog sobre as graduações. Nas semanas anteriores tivemos a opinião do Mestre Alexandre Batata, na parte 1. Na  parte 2 opinaram Mestre Goioerê, Mestre Linguiça, Mestre Preguiça, Mestre Cid , Mestre Ron e Mestre Kaco. Semana passada, na parte 3, foi a vez dos mestres Catitu, Chacal, Caçapa, Namorado, Buiu e Franja falarem sobre o tema. Hoje tem  alguns trechos de entrevistas antigas e também opiniões recentes, vamos conferir?


Mestre Gato – Senzala


"Sou de opinião de que as escolas de Capoeira são como escolas de samba, cada uma tem seu sistema e essa liberdade deve permanecer. É uma arte popular, não deve ser padronizada."*

*Trecho retirado de entrevista concedida ao Blog em Maio de 2013. Íntegra da entrevista aqui.






Mestre Polaco – São Bento Pequeno


"Na minha opinião é perfeitamente viável uma graduação única na capoeira, basta boa vontade, humildade e consenso entre as correntes(corda e cordel)."*

*Trecho retirado de entrevista concedida ao Blog em Abril de 2012. Íntegra da entrevista aqui.




Mestre Celso – Engenho da Rainha


"A Federação criou o cordel e foram chamadas pessoas de outros grupos, que moravam na Zona Sul, para participar das reuniões. Eles foram, mas resolveram sair fora e criaram a corda. O capoeirista é vaidoso, ele é mentiroso, ele tem vários defeitos.
O aluno não tem capacidade pra determinadas coisas, aí ele sai do grupo e sem condição de ensinar, sem nada ele monta seu próprio grupo e de repente ele inventa uma moda nova. Daqui a pouco nem corda, nem cordel, vão usar barbante. E tudo que ele faz, faz pra desmoralizar a própria capoeira. Por isso a capoeira não está organizada. Eu tenho viajado o mundo todo, o cara sai daqui do Brasil é aluno e lá fora ele bota uma graduação. Pra organizar a capoeira eu acho que tinha que ser gente de fora, que gosta, mas que não treina, não participa. Porque senão cada um defende o seu interesse e fica difícil organizar."*

*Trecho retirado de entrevista concedida ao Blog em Maio de 2011. Íntegra da entrevista aqui.





Mestre Boneco – Capoeira Brasil


"Acho sim, muito importante que todos os grupo venham um dia a ter uma única graduação. Só que e um trabalho muito delicado, pois todos nos teríamos que ceder de uma forma ou de outra!"*

*Trecho retirado de entrevista concedida ao Blog em Abril de 2011. Íntegra da entrevista aqui.







Mestre Cobra Coral – Capoeira Terranossa

"Acredito que as cordas profissionais deveriam ser sim padronizadas em uma cor única, melhorando assim a identificação em nível mundial. Já as graduações infantis e as graduações adultas, até a última corda antes de graduado, poderiam ficar a critério de cada escola com seu próprio sistema interno. Mas de Graduado em diante, que já é considerado um profissional de Capoeira, sim, todas as graduações (Cordas), profissionais deveriam ser unificadas e padronizadas em uma única cor e um único entendimento em nível mundial."




Mestre Cid – Afro Angola Congo Capoeira

"Até acho que deveria ser padronizado, mas vejo isso como um fato histórico, já que vieram africanos escravizados de diversas partes da África, de etnias diferentes. Então, era a forma que foi encontrada de misturar africanos de etnias diferentes, falando dialetos diferentes até para causar o não entendimento entre eles. Era a estratégia que eles usavam, para poder matar a raiz do africano aqui. Então, a gente tem que aceitar porque são escravizados que vieram de etnias diferentes, de lugares diferentes, falando dialetos diferentes, por isso essa confusão de cores e graduações.

segunda-feira, 3 de abril de 2017

A palavra do Mestre - Graduações - Parte 3



Hoje nós temos a terceira parte da série sobre graduações que começamos aqui no Blog. Caso você tenha perdido, na Parte 1 o Mestre Alexandre Batata deu uma verdadeira aula sobre as graduações na Capoeira, desde os primórdios até os dias de hoje. Já na Parte 2 , temos a opinião de 6 grandes mestres sobre o tema.

Vamos lá?




Mestre Catitu – Herança Cultural

"Desde que me conheço como capoeira ouço falar em unificação e padronização no sistema de graduação. 
Na minha visão seria muito importante e interessante a padronização única da graduação, mas, por outro lado, vejo que a capoeira é muito mais forte do que qualquer tipo de padrão imposto!
Sua diversidade, raízes e tradições se entrelaçam e isso acaba sendo muito mais forte de que qualquer coisa imposta.
O que me deixa triste é a criação exacerbada, sem origem e fundamento nas graduações que vem surgindo a cada dia!"








A imagem pode conter: 1 pessoaMestre Chacal – UBADAC

"Na minha opinião tinha que existir apenas dois sistemas de graduação: corda, do sistema mais antigo, que é a senzala e cordel, do sistema do Mestre Mendonça. Mas o que acontece é que cada grupo que é montado com pessoas desqualificadas inventa uma graduação, porque não pode seguir o sistema que já existe porque vai ser criticado. O cara sai de um grupo corda azul de graduado e quando encontramos ele novamente ele está com uma corda, exemplo, roxa e laranja, aí fala que é a corda de professor do grupo dele, porque se ele colocar marrom a galera vai criticar e a roxa e laranja ninguém entende e sabe o que é, aí ele passa batido nas rodas. Esse é o meu ver.
Enquanto alguns, veja bem, alguns Mestres antigos apoiarem esses meninos que ficam sem Mestres porque não querem seguir uma orientação e acham que sabem tudo, a Capoeira vai ficar essa bagunça. Cada menino que sai do seu grupo, monta um grupo, cria uma graduação maluca e tem um Mestre que vai lá e apoia.
Hoje chego nas rodas e não sei mais quem é Mestre e quem é aluno, porque em um grupo a corda é de Mestre e no outro grupo a mesma corda é de aluno."



Mestre Namorado – Ibamolé Capoeira

"Eu acho esse assunto polêmico. Assim como a própria história da Capoeira tem suas “vertentes ou versões”, as tradições regionais  (angola, regional, capoeiragem) desde seu início existiram caminhos diferentes, maneiras, hierarquias, heranças culturais e pontos de vistas variados. Como unificar, padronizar as graduações? Quem cederia? Dos milhares de grupos, qual tem razão e por que? A Senzala vai mudar sua graduação, Muzenza, Abadá, Capoeira Brasil, quem daria o braço a torcer? 
Teria que existir um grande congresso, com seminários, palestras, muita resenha, historiadores respeitados, líderes da Capoeira, estudiosos, um grande debate teria que ocorrer. Aqui é Brasil, todos querem priorizar seus próprios interesses, crenças, ideais. 
A Capoeira é rica, vasta, possui contextos lúdicos, pedagógicos, culturais, esportivos, eu, particularmente cederia a uma grande mudança, verdadeiramente discutida e votada pela  “tribo” da Capoeira. Uma decisão dessas engloba existir uma grande federação, associações sérias e preparadas, coisas distantes. A Capoeira é a cara do Brasil, cheia de jeitinhos, política, apadrinhamentos, interesses diversos, corrupção e etc. 
Não vejo tão cedo existir a tal unificação. A vaidade é mais um contratempo."


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Mestre Buiu – Rede Anca


"Na minha opinião deveria sim, com certeza. Como forma de respeito a nossa arte, como ética esportiva, para que nossa arte tenha um pouco mais de respeito nos seus fundamentos, deveria. Penso dessa forma, as graduações devem ser unificada sim para um bem maior de toda a massa capoeirista."





Mestre Caçapa – Capoeira Terranossa

"Hoje na Capoeira tem muita gente querendo ter sem poder e gente dando sem ter. Banalização total da Capoeira e de seus fundamentos. A maioria dos mais antigos apoiam isso e não estão dando valor a sua própria história. Estão apadrinhando grupos, ex-alunos e alunos dos outros, com isso as graduações tomam formas e cores diversas, sem controle. Seria bom um sistema único de graduação, mas, com isso, vem várias outras questões. Resumindo, a Capoeira está perdendo o controle, o dinheiro está falando mais alto, o capoeirista está perdendo o sentimento, o coração já não bate mais como antes. Eu estaria disposto a seguir um padrão universal."



Mestre Franja – Rede Anca

"Essa variedade de graduações que tem na Capoeira é bem característico. Só capoeirista que consegue entender esses sistemas e leva tempo para você aprender. Como somos diferentes das outras artes, não tem nada de parecido com a Capoeira nas outras artes, as pessoas acabam entendendo que é uma coisa pejorativa e, na realidade, eu acho até bom, porque só consegue entender essa variedade quem é da Capoeira há muito tempo, que se dedica e realmente quer entender a Capoeira. Não vejo problema nenhum, pelo contrário, acho isso bacana, não acho pejorativo. Cada um tem a liberdade de usar a graduação que quer. Perante as outras lutas somos novos ainda, não dá para comparar. A Capoeira tem uma organização diferente, começa pela roda, pela musicalidade, não dá pra ficar comparando. Geralmente quem fala sobre esse monte de graduações compara com outras lutas, que possuem uma só graduação. Muitos querem que tenha um sistema só, mas eu acho que como a Capoeira, ela não é de uma pessoa só, não é só de uma maneira, ela tem a cara do brasileiro, somos diversos.
Não entendo no que vai melhorar a Capoeira em ter um sistema único de graduação ou se eliminar a graduação. Quando você unifica, ou padroniza, a Capoeira perde muito com isso. A Capoeira foi feita como uma luta de libertação, é livre, é liberta, a Capoeira é para se libertar e no momento que você padroniza ou unifica só em um sistema a gente está cortando todas as vantagens que a Capoeira tem sobre as outras artes. Eu não gostaria que acontecesse isso nunca na Capoeira. Talvez eles pensem que unificando a graduação seria uma maneira de organizar a Capoeira e eu não acredito nessa ideia. A Capoeira tem uma organização única e exclusiva dela, que não dá pra gente comparar com as outras. Então, unificar, colocar regra, ou um único sistema, a gente como capoeirista vai perder muito com isso e não vai somar nada para que a Capoeira se torne mais do que ela é. Isso não significa que não devamos nos organizar. Organizar não quer dizer padronizar, nem unificar, significa melhorar o que já existe, ou dar novos rumos para aquilo que já existe, que é a Capoeira. Lembrando que essa é a minha opinião e não a da Rede Anca, dentro da instituição também temos esse conflito, uns querem, outros não."



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