Vamos à terceira parte da série "A palavra do Mestre", que nessa primeira edição traz a opinião de mestres renomados sobre a decisão do Mistério dos Esportes em reconhecer a Capoeira como esporte. Se você não acompanhou as duas primeiras postagens, clique aqui e aqui para ficar por dentro.
Hoje temos as opiniões de Mestre Preguiça, Mestre Fumê, Mestre Toni Vargas, Mestre Adelmo e Mestre Bené.
Mestre Preguiça – Iê Capoeira
“A Capoeira é arte e cultura, nasceu em ânsia de liberdade, não pode ter dono, nem monopólio. Isto que estão querendo fazer é mais uma covardia com a Capoeira.”
Mestre Fumê – Grupo Muzenza
“Eu acho que tudo que vem para somar é válido, tratar a capoeira como esporte nos dá mais suporte para colocar a capoeira nas olimpíadas.”
Mestre Toni Vargas – Centro Cultural Senzala
“Essa questão da Capoeira ser reconhecida como esporte é algo muito delicado. O problema pra mim é a capoeira ser só esporte, esse é o problema.
Eu temo porque esse caminho de desespotivização da Capoeira é um caminho mais fácil e um caminho que favorece a muitas pessoas que não tem um conhecimento profundo de capoeira, não querem ter e estão se aproveitando e vão se aproveitar desse momento.
São os caras que são donos de federações e que são politiqueiros, enfim, pessoas que não têm uma relação profunda com a Capoeira enquanto uma atividade múltipla, uma atividade holística e até nem compreendem a Capoeira nesse aspecto.
É muito mais fácil para essas pessoas e pra muitas outras, infelizmente, ver a capoeira segmentada. Ver a Capoeira como esporte e só como esporte acaba sendo muito mais fácil, acaba sendo muito mais funcional pra pessoas que querem tirar da Capoeira alguma coisa, que querem ver isso acontecer de uma forma mais simples. Há uma verba, o esporte está sempre mais na moda e esquecem dos problemas que a gente teve bem recentes, não é nem num passado distante, num passado bem recente porque quem cuida da área do esporte é a educação física, mesmo que as pessoas digam “Não, não tem nada a ver, porque o CREF/CONFEF não vão se meter nisso” mas uma vez que ela for uma modalidade desportiva, for esporte, ela vai estar na área da Educação física e isso vai voltar, quer dizer, é um retrocesso. Causará problemas a um enorme número de profissionais que não são formados em educação física e que são agentes culturais. São pessoas que se fizeram na capoeira, como a maioria dos mestres de renome e pessoas que realmente lutaram pela Capoeira.
Eu não conheço nenhuma instância em que uma federação tenha ajudado realmente a Capoeira. Eu nunca vi em 50 anos de capoeira. Quem levou a Capoeira para todos os países, para outros lugares, para as universidades não foi uma federação.
Eu temo muito pela descaracterização da capoeira, principalmente, pela falta de visão dessas pessoas, que vão ceder ao que for mais simples e ao que der mais dinheiro. São pessoas, que na minha opinião, infelizmente, têm essa visão. Falam qualquer coisa, fazem qualquer coisa pra ganhar dinheiro com a Capoeira e eu temo muito por isso.
O fato da Capoeira ser uma manifestação múltipla da nossa cultura não anula o fato dela ter também características desportivas. Todo esse tempo que ela não foi reconhecida, as pessoas faziam no Rio de Janeiro, em outros lugares e até em outros países, campeonatos e nunca ninguém foi lá acabar com o campeonato de ninguém. Nunca ninguém implicou que alguém estivesse fazendo um treinamento de capoeira. Eu mesmo sou uma pessoa que faço isso, sou superligado a questão cultural, mas também gosto do treinamento, dessa parte toda, agora, não tem problema nenhum ver a capoeira como cultura, ver a capoeira em toda a usa grandiosidade e poder ter também uma abordagem desportiva em algum momento, em algum momento. Isso é completamente diferente de considerar a Capoeira como esporte, rotular a Capoeira como esporte e querer qualificá-la só como esporte, abandonando as outras coisas.
O medo que eu tenho é esse, acho que isso tudo é feito a revelia, sem ouvir os capoeirista, porque na verdade essas pessoas donas de federação, os cartolas, não são representantes legítimos da capoeira, não têm com eles a maioria. Infelizmente essas pessoas forçaram essa barra, são oportunistas, é um momento muito delicado. Mas vamos ver o que vem pela frente, eu acredito muito nos capoeiristas e na Capoeira, sempre ela consegue se transformar e se recriar. Já houve muitas tentativas de enquadrá-la, mas eu não acredito que isso vá acontecer nunca, essa é a minha posição.
Mestre Adelmo – Capoeira Origens do Brasil
“Eu não acredito que possamos pensar em capoeira sem pensar na historicidade que ela compõe e não podemos jamais, e seria insano, descartar, ou deixar, mesmo que temporariamente, de lado o seu maior contentor, o Mestre (ou seja la qual o título que o agente transmissor tenha, professor, contramestre, trenel).
Qual a função primordial do mestre? Cuidar, transmitir, disciplinar e mostrar o caminho.
O que a história da capoeira tem demonstrado em toda a sua história? O mestre cuida do aluno, o aluno se tornando discípulo e o discípulo se tornando mestre.
De onde vem a base de tanto conhecimento? Toda essa construção foi forjada através de lágrimas, suor e sangue por milhões de capoeiras do passado e capoeiristas do presente. Assim construiu-se um sistema cultural maior dos que qualquer manifestação em solo brasileiro.
O sistema deseducou e a nação brasileira como meros trabalhadores braçais, sem capacidade de produzir reflexões (não irei me aprofundar neste aspecto para não me prolongar muito) assim com toda uma estrutura organizada, com os fundamentos estabelecidos e enraizados na construção dos mestres griôs, transmissores do saber ancestral. Se juntarmos tudo isso temos o estabelecimento de um sistema cultural. Fundamentalmente a capoeira é tudo e é nada, é positiva e negativa, ela é esporte e transcende esta faceta, ela é luta e também transcende esta faceta. Não dá para olhar em uma única direção quando a capoeira nos abre mil possibilidades.”
Mestre Bené – Benguela
“Tudo que vier de bom e de produtivo em prol da
capoeira, que seja bem-vindo. Só falta a comunidade capoeirística
se unir mais, porque essa é a única luta genuinamente brasileira.”
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