terça-feira, 9 de maio de 2017

Como vai o seu coração?

Especialista alerta para a grande exigência cardíaca na prática da Capoeira




Maio de 2013, reunião de mestres no Iphan do Rio de Janeiro, Mestre Camisa discursa sobre o triste fim de alguns mestres, sem assistência médica e muitas vezes na miséria. Ele acaba falando sobre o grande números de capoeiristas que morrem por problemas do coração e uma lâmpada se acende imediatamente na minha cabeça.

Mestre Paraná infartou e morreu aos 49 anos. Mestre leopoldina, aos 74 anos, também faleceu em decorrência de problemas cardíacos. 

Demorou até que eu fosse atrás de uma profissional para esclarecer os fatos. A gota d'água veio mês passado, quando, só no Rio de Janeiro, dois capoeiristas faleceram em decorrência de problemas cardíacos. 

A Cardiologista Rachel Victer ressalta que não há uma relação direta da Capoeira com o infarto, mas, por ser uma atividade de alta performance, o coração acaba trabalhando muito.

A pergunta que eu te faço, caro Capoeirista, é: Estamos negligenciando a nossa saúde e de nossos alunos?

A verdade é que os capoeiristas não se veem como atletas e, por isso, acabam não dando a devida importância aos cuidados com a saúde.

O que é mais comum do que sair de uma roda de Capoeira e se reunir para uma cervejinha, ou um churrasco, ou os dois? Pois é, não estou aqui ditando regras para vida de ninguém, eu mesma sou adepta desses pecadinhos, mas, é importante dizer que maus hábitos alimentares, o consumo de álcool e drogas estão diretamente ligados aos problemas cardíacos.

O Monitor Benny, 28 anos, filho do querido Mestre Bené, foi um dos trágicos casos ocorridos no mês passado. Durante uma roda de Capoeira ele se sentiu mal e faleceu. Em jovens o risco do infarto ser fatal é ainda maior, "O coração jovem tem a circulação colateral ( que são pequenos vasos que ligam as principais artérias do coração) pouco desenvolvida. Isso aumenta o impacto do infarto no coração.", explica a Dra. Rachel. 

É importante esclarecer que nem toda morte súbita é infarto, "Existem outras causas de morte súbita em jovens como morte por arritmia cardíaca, por doença congênita cadíaca, doença da aorta, ruptura de aneurisma cerebral que também podem ser precipitados pelo exercício. Porém, a sociedade tem o hábito de taxar de infarto qualquer morte que ocorra assim, subitamente.", esclareceu a médica.

São fatores de risco para infarto: 


  • Hipertensão; 
  • Diabetes;
  • Colesterol alto;
  • Tabagismo;
  • Sedentarismo;
  • Uso de drogas;
  • Obesidade;
  • Stress;
  • História familiar de infarto ou angina.

Quando devo procurar um cardiologista?

  • Quem não tem história familiar de doença cardíaca: Homens aos 45 anos e mulheres aos 50 anos;
  • Quem tem história familiar de doença cardíaca: Homens aos 30 anos e mulheres aos 40 anos, 
  • Quem apresenta qualquer sintoma como: cansaço, dor no peito, fadiga, ou palpitação, independente da idade, antes de iniciar qualquer atividade física.
E é aí que entra a pesquisa que eu fiz no Facebook no mês passado. Assim como eu, 55,3% dos entrevistados nunca precisou de atestado médico para a prática da Capoeira.


A cardiologista ainda explica que, pelas diretrizes atuais, não é obrigatória a apresentação de atestado médico para a prática de atividades físicas nos casos de pessoas que não possuem histórico de doença cardíaca na família, nem apresentam os sintomas citados (cansaço, dor no peito, fadiga, ou palpitação), no entanto, muitos esportes exigem a apresentação do atestado, o que para ela é importante.

A Prevenção do infarto passa pelo controle dos fatores de risco acima citados, além de acompanhamento cardiológico periódico. Não podemos fechar os olhos para a nossa saúde e, como educadores, precisamos tornar o atestado médico uma exigência para a prática da Capoeira. Só assim evitaremos, ou ao menos diminuiremos, os casos de mau súbito na Capoeira.

Muito obrigada a todos que responderam ao questionário! Agradecimentos especiais à médica que gentilmente nos orientou para a matéria. Bjos, Senhorita!


Dra. Rachel Victer

Pós graduada em Cardiologia pela Universidade Federal Fluminense ( UFF)

Especialista em Cardiologia pela Sociedade Brasileira de Cardiologia

Rua Moreira Cesar 26 sala 1119. Icaraí. Niterói/RJ

Tel: (21) 2719-6616


Ficou interessado no discurso do Mestre Camisa que eu citei? Parte dele está disponível no nosso canal no Youtube, toma aqui um link. Aproveita e se inscreve lá que tem sempre conteúdo de qualidade!

Imagem do Google

quarta-feira, 3 de maio de 2017

União leva a Londres

Mulheraça tem sua primeira edição internacional





Rio de Janeiro - Brasil

Sabe aquela história que nós ouvimos a vida inteira de que a classe feminina é desunida? Pois é, 11 capoeiristas estão provando que a verdade é bem outra, a união faz a força e, nesse caso, leva a Londres.


Tudo começou em 2007, quando a Instrutora Fran, supervisionada pelo Mestre Buiú, Rede Anca, realizou a primeira edição do evento Mulheraça, em Minas Gerais. 

Feito de mulher para mulher, focado na Capoeira e na cultura popular, Mulheraça é um espaço para fazer amigos e trocar conhecimentos, independente de sotaques e bandeiras. 

O sucesso foi tanto que, após sete edições, as últimas três ocorridas em São Paulo, o evento Mulheraça arruma as malas e desembarca em Londres, Inglaterra, para mostrar que lugar de mulher é onde ela quiser. E quando ela quer, ah, meu amigo, aí ninguém segura.

Uma parceria entre grupos, algo bem pouco usual no meio da Capoeira, permitiu que o Contramestre Hiram, do Club London, levasse o Mulheraça para a Terra da Rainha nos dias 16, 17 e 18 de junho. 


Conheça as integrantes da equipe Mulheraça Brasil

Junto com a edição internacional do evento surgiu a vontade de participar desse momento tão importante e, como nada cai do céu, 11 mulheres de grupos, estados, graduações e idades diferentes foram atrás desse objetivo. São elas:

Mestranda Sinhá - Rede anca - SP
Mestranda Kelly -  Rede anca - MG
Contramestre Sereia - Capoeira Bonfim - SP
Professora Longui - Grupo Candieiro - SP
Instrutora Fran -  Rede Anca - MG
Monitora Jeanne - Capoeira Bonfim - SP
Graduada Borboleta - Casa da Iúna - SP
Graduada Fofa - Capoeira Bonfim - SP
Graduada Navalha - SP
Aluna Goianinha - Capoeira Senzala - SP

A primeira barreira encontrada foi a financeira, mas sabe como é, né, elas deram um jeitinho, se uniram, fizeram rifas, eventos, vaquinha e, mesmo longe do valor total para bancar integralmente a viagem das 11, conseguiram uma boa ajuda para realizar esse sonho.

A busca agora é por uma empresa que abrace a ideia e tope vesti-las durante os três dias. A equipe precisa de um uniforme e a contrapartida é, sem dúvidas, muito bacana. Quer ver a sua marca nos principais pontos turísticos de Londres e ainda ligada a uma iniciativa cultural genuinamente brasileira? Essa é a hora. Entre em contato no e-mail e saiba como participar.

Ah, o evento terá cobertura do Blog Capoeira de Toda Maneira e em nossas redes sociais vocês poderão acompanhar tudo o que rola por lá.

Que venha Junho, que venha Mulheraça!

Imagem de arquivo pessoal




terça-feira, 2 de maio de 2017

Entrevista

Mestre Márcia
Sangue Negro


Márcia José Vieira, Mestre Márcia, nasceu em São Gonçalo, no estado do Rio de Janeiro, em 18 de junho de 1962. Ela foi a primeira mulher a receber o título de mestre em sua cidade, um grande feito para quem,  na década de 1980, era uma das poucas meninas a frequentar rodas de Capoeira. 
Mesmo a contragosto de sua mãe e enfrentando o machismo presente na Capoeira, Mestre Márcia seguiu seu caminho, "Durante algum tempo era apenas eu em meu grupo. Me tratavam como uma peça intocável, mas quando eu acertava alguém, o atingido parecia que ia morrer por ter sido atingido por uma mulher.", contou. De posicionamentos bem definidos, Mestre Márcia também faz parte da Liga Gonçalense de Capoeira como tesoureira e é dirigente de uma escola de Samba. Achou pouco? Então vem conhecer a história dela mais de perto.

*A entrevista a seguir foi realizada em Abril de 2017 e é inédita e exclusiva do Blog Capoeira de Toda Maneira 


(Maíra Gomes) - Como a senhora começou na Capoeira?



(Mestre Márcia) - Comecei capoeira em 1980, no grupo Modelo Cultural Kikongo, com o Mestre Machado. Ele afirma que comecei no final de 1978, então, eu tinha 16 ou 17 anos.

(Maíra Gomes) - Sua família reagiu bem, te incentivaram?

(Mestre Márcia) - Minha mãe nunca disse para eu não fazer capoeira, mas não gostava. Nunca assistiu um treino, foi apenas a uma apresentação no teatro porque minhas tias disseram para ela que se elas iriam como tias, porque ela  como minha mãe não? Nunca esteve no espaço onde dou aula desde 1988 (minha mãe em memória). Tive o apoio de todos os meus irmãos, somos 10, só eu fazia capoeira até eu começar a dar aula. Hoje tenho vários sobrinhos, primos e etc. Nem todos comigo treinam comigo.

(Maíra Gomes) - Como foi sua caminhada até a fundação da Associação Sangue Negro?

(Mestre Márcia) - Não foi fácil. Durante algum tempo era apenas eu em meu grupo. Me tratavam como uma peça intocável, mas quando eu acertava alguém, o atingido parecia que ia morrer por ter sido atingido por uma mulher. Aí finalmente surgiu outra, juntas fomos ganhando espaço e os rapazes devagar começaram a aceitar mais quando eram atingidos. Isso dentro do meu grupo, mas nem sempre. Em roda fora baixava o desespero nos mestres quando eu atingia seus alunos. Era difícil admitir que a única mulher na roda poderia atingir um dos machões. Foi bastante tempo de só eu em rodas, dificilmente apareciam outras, mas sobrevivi. As coisas hoje não mudaram muito, os homens ainda acham absurdo ser atingido por mulher, muitas vezes é um deus nos acuda.

(Maíra Gomes) - A senhora foi a primeira mulher a ser formada mestre em São Gonçalo, um grande incentivo para outras mulheres, tendo a senhora como espelho, uma referência. Quem foi a sua referência feminina na Capoeira?

(Mestre Márcia) - Vi apenas três mulheres na primeira vez que vi uma roda de capoeira. Não chegou a ser uma referência, pois, não foram elas que me levaram a praticar capoeira, nem tive contato com elas. Raramente as vejo, uma até parou. Mas com certeza sou a referência de muitas mulheres.

(Maíra Gomes) - Porque decidiu fundar um grupo?

(Mestre Márcia) - Passei 7 anos na Kikongo. Saí de lá professora. Tive problemas com o meu mestre, o que me rendeu uma expulsão. Para não parar eu fui incentivada por amigos que queriam treinar comigo. Comecei a dar aula, fui parar em um grupo, ficando pouco mais de dois meses. Assim cheguei ao Mestre Chita, que tinha o grupo "Filhos de Omulú". Surgiram outros problemas, meus alunos eram na maioria de famílias católicas, então, conversei com o Mestre Chita e assim, numa  gincana entre meus alunos, surgiu o nome "Sangue Negro". Tenho o apoio até hoje do Mestre Chita e do mestre que me expulsou, Mestre Machado.

(Maíra Gomes) - Qual foi o maior desafio nesses anos de capoeira em um ambiente majoritariamente masculino, sentiu algum tipo de preconceito? 

(Mestre Márcia) -  O preconceito sobre a mulher capoeirista é demais. Meus alunos são cantados a todo momento e sempre escutavam "Vai ficar treinando com mulher". Recentemente tive um mal estar com um mestre, pois um rapaz que treinava com ele resolveu treinar comigo. Nossa, ele perdeu a compostura, ficou feia a coisa. Venho passando por situações assim desde que comecei a dar aula. É "osso", só gostando muito mesmo!

(Maíra Gomes) - O que a senhora pensa sobre os diversos sistemas de graduação existentes da capoeira? A graduação deveria ser padronizada para todos os grupos? 

(Mestre Márcia) - Eu gostaria que todos tivéssemos o mesmo sistema de graduação. Acho que enquanto isso não mudar, as pessoas que não se importam com a Capoeira vão continuar desvalorizando este esporte tão bonito e as autoridades chamando de bagunça. Eu uso o sistema da Confederação, colocando algumas pontas para ganhar tempo com os alunos.

(Maíra Gomes) - O que influencia mais na permanência da mulher na capoeira?

(Mestre Márcia) - As mulheres se entregam a Capoeira quando estão sozinhas, sem marido, namorado, nenhum relacionamento. Ou entram para a Capoeira exatamente para conquistar alguém. Por mais que gostem, acabam se afastando por começarem a ter problemas em sua relação, assim a Capoeira normalmente perde. Claro, existem exceções.

(Maíra Gomes) - A senhora é tesoureira da Liga Gonçalense de Capoeira. Como surgiu o convite para fazer parte da Liga?

(Mestre Márcia) - Eu sempre tive o convite para fazer parte da Liga, mas não queria. Apenas nesta gestão resolvi participar, mas já penso em sair. São muitos problemas e nada de verbas. Sem verbas, sem trabalho, mas os problemas surgem, não vale a pena tantas perturbações. 


(Maíra Gomes) - Qual a sua principal característica como educadora?

(Mestre Márcia) - As crianças costumam gostar de mim. Eu sou de tudo um pouco, canto, brinco, danço, conto da história, toco pandeiro, berimbau, atabaque, me divirto com eles. Porém, elas brigam, batem uma nas outras, mordem, sobem nas coisas, entre outras coisas que acontecem, aí Tia Márcia briga, as vezes coloca sentadinhas, mas não demora estamos nos beijando, nos abraçando, assim tudo é festa. Nos piores momentos da minha vida, entre elas a morte de minha mãe, foram eles que me ajudaram a superar, acho até que evitaram a minha depressão.

(Maíra Gomes) - Queria que a senhora contasse um pouco sobre a sua relação com o Carnaval:

(Mestre Márcia) - Eu sou dirigente de uma Escola de Samba, a G.R.E.S. Arco Íris do Boaçu, que é dirigida por sete mulheres, eu e mais 6 irmãs. É uma adrenalina gostosa colocar a escola na avenida, não tenho explicação. O que a Capoeira e o carnaval tem em comum? A alegria e o fato de eu não conseguir ficar longe dos dois.

Contato

Imagem de arquivo pessoal

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