O historiador e capoeirista, Gabriel Siqueira lançou no último dia 13 de maio o livro Cativeiro Carioca. Aos 26 anos, Tucano Afro, como é conhecido nas rodas de capoeira, traz em sua obra mais do que uma pesquisa relativa ao pós abolição, mas uma reflexão sobre o passado e suas implicações no presente.
O lançamento ocorreu na capela ecumênica da UERJ, com a presença de vários mestres e, como era de se esperar, uma boa roda de capoeira.
Conversamos com o autor para saber um pouco mais sobre esse trabalho e o resultado você confere agora.
Você lançou no último dia 13 o livro "Cativeiro Carioca - Memórias da Perseguição aos capoeiras nas ruas do Rio de Janeiro". Imagino que a data não tenha sido coincidência, né?
A data foi proposital, não só por conta dos 127 anos da Abolição, mas por nas religiões afro-brasileiras dia de Preto Velho. Além destes motivos simbólicos, é também uma proposta de rediscutirmos a data da extinção da escravidão no país. Deste modo, desmistificar a importância da Princesa Isabel, construindo uma narrativa que evidencie o papel histórico dos negros escravos ou não na resistência e luta pela liberdade. Por fim, neste contexto, lançar um livro que é também um ensaio sobre a capoeira como luta popular brasileira ontem e hoje, fatos e histórias importantes na construção de uma identidade brasileira e carioca. O livro também visa contribuir na construção do “lado negro” da história do Rio de Janeiro 450 anos
Vamos começar do início, qual a sua relação com a Capoeira e a cultura negra de um modo geral?
Minha história pessoal assim como a da capoeira se misturam com a história do país, ao passo que somos o segundo maior país em presença de negros no mundo, perdendo apenas para a Nigéria. Ou seja, todos nós brasileiros somos sangue daqueles negros supliciados, conforme disse o professor Darcy Ribeiro. A minha história neste livro começa com meu avô Octávio Gomes nascido em 1889, após abolição, porém filho da negra quituteira Maria Cândida com um português comerciante. A minha relação com a capoeira também se inicia aos 8 anos de idade, aprendi a ler e escrever e jogar capoeira, três coisas sem as quais eu nada seria. Na escola onde estudei comecei capoeira sem jeito nenhum, desengonçado, mas muito feliz com a Mestre Sheila Capoeira no Grupo Capoeira Brasil. Como todo brasileiro, algumas dificuldades não me permitiram treinar, porém nunca me afastei totalmente. A mestre Sheila fundou sua companhia cultural de capoeira, mas pelos diversos compromissos(A mestre é também professora da Rede Pública) fez com que ela não pudesse prosseguir com aulas de capoeira para adultos, e por isso, atualmente, treino com a Contramestre Cris no grupo Senzala. Por fim, a relação com a capoeira e com a cultura popular negra são parte da minha totalidade, da minha identidade. Ou seja, a capoeira e a cultura popular constroem minha identidade social, política, racial, política, espiritual.
Qual sua formação acadêmica?
Sou formado em História pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), nesta mesma instituição faço mestrado no Programa de Políticas Públicas e Formação Humana (PPFH). Sou pesquisador do Núcleo de Estudo das Américas (NECLEAS), onde realizei a maior parte das pesquisas que constroem este livro.
O Mestre Toni Vargas escreveu a contracapa do livro. Por que o escolheu?
Considero o Mestre Toni Vargas o maior capoeirista do século XXI, mesmo tendo sido formado corda vermelha do grupo Senzala há exatos 30 anos, o Mestre Toni é um capoeirista de novo tipo, um mandingueiro do terceiro milênio. Tenho imenso orgulho do fato do Mestre ter aceitado meu convite e escrito uma contracapa que significou uma benção do mestre para minha obra.
Seu axé, suas músicas, seus embalo estão presentes neste novo milênio com a força ancestral, mas produzindo e pensando a capoeira do amanhã. Muitas das suas músicas e poesias embalaram minha reflexão sobre os temas da capoeira quando eu ainda nem era historiador. O mestre foi convidado para escrever a contracapa do meu livro para que eu pudesse mostrar que minha formação não é puramente acadêmica, isto é, sou fruto de uma formação acadêmica e popular, da malandragem e da erudição, a universidade e da rua. Neste sentido, escolhi convidar duas referências intelectuais que tenho na academia que são as professoras Maria Teresa Toríbio (Titular de história da América da UERJ) que escreveu o prefácio da obra e participante na orelha do livro a professora Renata Moraes (Professora de Brasil - Adjunta do Departamento de História da UERJ); mais duas referências da capoeira que são a Mestre Sheila Capoeira na apresentação e o Mestre Toni Vargas que fez a linda contracapa.
O livro é uma contribuição com a capoeira. Costumo dizer que é uma pequena contribuição com nossa cultura e arte secular, porém os mestres me alertaram do seguinte: A capoeira sempre foi feita de pequenas contribuições que, para a capoeira, são apenas contribuições, nem grandes, nem pequenas. Acredito que o livro foi feito para que pudéssemos refletir sobre um momento crucial para a história da capoeira, aquele entre 1888 e 1930 que significou a quase destruição da capoeira carioca e consequentemente do país todo. Alguém já imaginou o Brasil sem a capoeira? Pois é, o livro mostra que isso quase aconteceu, aliás, o Estado brasileiro desde o Império e mais ainda na República decidiu que tinha que destruir a capoeira, já que ela dava um enorme poder aos negros escravizados e os egressos do cativeiro, ou seja, o poder de lutar pela sua própria existência e destino. São analisados processos crimes de capoeiristas do período, assim como leis, artigos de juristas, delegados e políticos da época que se preocupavam o chamado “perigo interno” que eram os 2/3 da população carioca de negros e pardos egressos do cativeiro e seus descendentes. A república começa com um Código Penal (1890), e só realiza uma Constituinte (1891) no ano seguinte. Esta é a outra parte da história da cidade do Rio de Janeiro que se transformou em um grande cativeiro onde negros e mulatos, principalmente capoeiristas, eram vigiados, cercados, presos e oprimidos. A polícia fundada por D. João VI cumpriu e cumpre seu papel histórico de feitoria estatal e tornou a cidade um enorme cativeiro para escravos e libertos negros e/ou pobres mesmo após abolição.
A capoeira não é uma parte particular da cultura popular brasileira, é uma tradição rebelde que também foi criminalizada, assim como as culturas de terreiro.
Email: gabrielsiqueira19@hotmail.com
Facebook: http://www.facebook.com/gabrielsiqueira19
Fotos: Arquivo pessoal
Muito bom Maíra, sua entrevista!
ResponderExcluirObrigada! Volte sempre!
ExcluirEstarei sempre dando uma olhada sim, com certeza! Abraço!
ResponderExcluir