Guaracy Guedes nasceu em 1º de abril de 1976, uma data tão irreverente quanto o aniversariante. Carioca, conhecido por sua capoeira firme e seu jeito brincalhão. Não é exatamente unânime, mas sua capoeira nunca pode ser contestada. Um cara polêmico, sem sombra de dúvidas, dono de uma originalidade na forma de falar e agir, que muitas vezes pode incomodar.
Uma pessoa que, se goste ou não, é impossível não admirar, seja por sua história de vida ou pelo talento como capoeirista. Mestre Caçapa contou sobre sua trajetória, falou de família e de suas inseguranças, um bate-papo único, como o nosso entrevistado.
*A entrevista a seguir foi realizada em Outubro de 2015 e é inédita e exclusiva do Blog Capoeira de Toda Maneira
“Hoje vejo gente querendo ter sem poder e gente querendo dar sem ter. Gente que eu não vi em outrora.”
Mestre Caçapa
(Maíra Gomes) - Conte um pouco do seu começo na capoeira?
(Mestre Caçapa) - Eu comecei a treinar capoeira em 1984, com o Mestre Brinco, que na época era do Grupo de Capoeira de Angola Pelourinho, aluno de Mestre Neco. Minha mãe era empregada doméstica dele e me levava para o trabalho com ela. Eu ficava no quarto de empregada e um dia ele pediu a minha mãe para me levar com ele. Aí ele me levou para a capoeira.
(Maíra Gomes) - Como sua família reagiu quando o senhor começou a treinar?
(Mestre Caçapa) - Minha mãe me apoia até hoje, até porque, ela sabia antes de mim que seria um caminho em que eu seria uma boa pessoa. Toda minha família sente orgulho de mim até hoje. Meu falecido irmão falava que eu era o melhor capoeirista do mundo, risos. Ubiraci Guedes, morto em combate, PM do Rio de Janeiro.
(Maíra Gomes) -Como foi sua caminhada até os dias de hoje?
(Mestre Caçapa) - Comecei com Mestre Brinco no Rio. Em 1988 fui morar em Recife, porque eu era um bom menino e o morro onde eu morava estava muito quente. Minha mãe achou melhor me mandar para Recife para morar com meu irmão. Lá conheci o Mestre Pequena e Mestre Paulo Angola. Fiquei treinando com eles e lá aprendi a Capoeira Regional. Voltei para o Rio e fui morar em Santa Teresa. Lá conheci o Mestre Fogo e comecei a treinar com ele no Grupo de Capoeira Raízes da Liberdade e mais tarde fundamos o Grupo Beriba. Minha primeira graduação foi dada pelo Mestre Fogo e cheguei até o cordel azul. Quando entramos para o Grupo Muzenza, com Mestre Burguês ele pegou estágio e eu a corda crua. Anos mas tarde peguei a corda azul de Instrutor, o Mestre Fogo saiu da Muzenza e eu fiquei. Tempos depois pedi ao Mestre Burguês para me passar para a supervisão do Mestre Cid de Niterói/RJ. Desde então estou com ele. Em 2007, Mestre Cid saiu da Muzenza e eu o acompanhei. Ele sentiu necessidade de montar seu trabalho, montar seu grupo, a Associação de Capoeira Terranossa Brasil.
(Maíra Gomes) - Quem o apelidou de Caçapa?
(Mestre Caçapa) - Assim que cheguei de Recife fui trabalhar de caseiro onde minha irmã trabalhava e o patrão dela conhecia um mestre de Capoeira. Minha irmã falou que eu jogava Capoeira e ele logo quis ver se era verdade. Me levou na academia do Mestre Fogo, me entrosei com a galera e me matriculei para treinar. Em uma descontração com os outros alunos eles me perguntaram qual era o meu nome, eu falei “Guaracy”, aí o Furão e o Bujão, dois irmãos, caíram na minha pele, falando “Guaracy boca grande”, “Guaracy bocão”, “Guaracy caçapa” e aí pegou. Desde então sou chamado no mundo da capoeira por Caçapa, antes eu era Guará.
(Maíra Gomes) -Hoje o senhor vive só de capoeira ou trabalha em outras coisas?
(Mestre Caçapa) - Eu sempre trabalhei, sempre corri atrás de grana. Eu comecei a dar aula quando estava no cordel amarelo e azul. Fui obrigado, eu treinava com o Mestre Fogo e nos desentendemos, fui treinar com Mestre Chocolate, aluno de Mestre Corvão. Ele foi para a França e me deixou cuidando do trabalho dele. Desde então não parei mais de dar aulas, mas nunca vivi plenamente do dinheiro das aulas. Eu trabalhei de tudo na vida, entreguei jornal, trabalhei no lixão separando plásticos, trabalhei fazendo carvão, trabalhei vendendo chocolates nos ônibus, trabalhei de motorista de ônibus, trabalhei de caseiro. Trabalhei fazendo figuração em vários comercias e filmes, como “Tropa de elite 2”, no qual fiz um policial.
Há 10 anos trabalho de segurança, a Capoeira eu tenho como uma filosofia de vida. Estou aqui hoje por conta dela, moro em comunidade e já estive com o pé no crime e a capoeira fez eu ser um ser humano melhor e me mostrou um mundo no qual eu entrei e nunca mais vou sair. Tenho um projeto social, nele as aulas de capoeira são gratuitas. Sou feliz e realizado!
(Maíra Gomes) -O senhor é casado e tem dois filhos, Gabriel e Gabriela. Hoje a Gabriela segue seus passos na capoeira. Ela é mais cobrada por ser filha, além de aluna?
(Mestre Caçapa) - Minha vida melhorou mundo quando casei. Conheci minha esposa na capoeira e tenho 2 filhos com ela, Gabriel e Gabriela. Sou casado há 18 anos. Biel e Biela sempre treinaram capoeira comigo, mas o Biel, apesar de levar jeito, prefere jogar bola. Eu nunca o obriguei a treinar, acho que isso tem que ser por vontade própria, mas fico triste por ele não treinar. Ele seria um bom capoeirista. A Biela, ao contrário dele, adora a Capoeira e por isso acho sim que ela é mais cobrada. Ela é minha filha, né, então, tem que ser exemplo para os outros alunos. Mas a cobrança tem limites, uso a capoeira para cuidar dela, o mundo de hoje está muito complicado. Hoje ela está com 16 anos e essa idade é fogo. A capoeira me facilita a cuidar da formação dela como pessoa e ela sabe disso. Agradeço a deus por ter em minha vida a Vanessa, minha esposa, e meus filhos, Gabriel e Gabriela. Esse tesouro foi a capoeira quem me deu!
(Maíra Gomes) -O senhor foi formado mestre em março desse ano. Era algo muito esperado pela comunidade capoeirística aqui do rio, em função do tempo e da sua atuação. Sempre foi seu objetivo chegar a mestre, ou isso foi uma consequência?
(Mestre Caçapa) - Eu sempre quis chegar ao cordel azul, com ele eu já poderia dar aulas e ser chamado de professor. Ser mestre nunca foi uma meta para mim. Eu levo a Capoeira muito a sério e ser mestre de Capoeira é uma coisa complicada demais. Mas fui pegando as graduações e de uma certa forma me segurando para eu não chegar na graduação de mestre. Para algumas pessoas e tão fácil chegar a mestre, mas para mim não. Mas fui levado, empurrado e quase que obrigado a pegar a graduação de mestre pelo tempo e pela minha trajetória, que eu tenho orgulho de falar para os quatro cantos do mundo que não foi de mentira. Fui formado pelo Mestre Cid, um mestre que já escreveu seu nome na história da capoeira e mais 60 mestres de renome do Rio de Janeiro. A minha formatura foi um dia incrível, não imaginei que iriam tantos mestres de capoeira, além de tantos outros contramestres e mestrandos, professores e alunos. 95% do Rio de Janeiro estava presente e também minha família meus alunos e meus amigos
A primeira roda de capoeira que eu fui depois de formado mestre foi a roda do Mestre Titio Russo, de São Gonçalo. Eu não sabia o que fazer, como me portar, ou com quem jogar. Eu estava aterrorizado com aquela corda vermelha pendurada na minha cintura, mas fui jogando e rezando para a roda acabar. Quando a roda acabou foi um alívio para mim. Aí o mestre me apresentou e pediu para eu dar uma palavra. Nossa, eu gelei! Aí eu falei, “Mestre, me desculpe mas hoje foi o pior dia da minha vida!” e me danei a chorar. Saí da roda e fui para um canto e chorei, chorei. Mestre Machadinho e Mestre Linguiça foram atrás de mim e ficaram comigo até eu parar de chorar. Que doideira!
(Maíra Gomes) -Que qualidades um mestre precisa ter?
(Mestre Caçapa) - Qualidades de um mestre? Mestre é um capoeirista como qualquer outro. O cara chegar a mestre já é uma qualidade. A qualidade de cada um está nos olhos de quem vê, então, cada mestre tem os que veem as suas qualidades e as exploram, seguindo-o, respeitando-o e aprendendo com o mesmo.
(Maíra Gomes) -Que tipo de legado o senhor espera deixar para as próximas gerações que virão na capoeira?
(Mestre Caçapa) - Legado? Quando eu morrer pergunte a minha filha que ela vai te responder, risos.
(Maíra Gomes) -Pra finalizar, quem são seus ídolos na capoeira?
(Mestre Caçapa) - Tenho respeito por tantos caras na capoeira que posso ficar um dia inteiro falando, mas ídolo eu só tenho um, Alexandre dos Prazeres, o Mestre Buda. Ele teve uma passagem em minha vida que me fez ter certeza que escolhi o cara certo para eu ter como ídolo. Aniversário do Mestre Burguês em um evento em Curitiba, roda fervendo e eu ali dando meu jeito. Quem estava lá vai saber bem do que estou falando. Eu queria uma coisa, mas apesar de eu estar com mais três comigo na roda, fiquei sozinho, então fui para o fundo da academia e chorei, como nunca tinha chorado na vida. Quando parei de chorar, desci e o Urutum me chamou. Danei a chorar novamente, então Mestre Buda apareceu de carro mandou eu entrar e me levou para a casa dele e ficou a noite toda conversando comigo. Um dia que eu não vou me esquecer jamais!
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