Ronaldo
Alves Santos nasceu em 04 de março de 1963, hoje possui 52 anos.
Mudou-se pra Santos com cerca de 7 anos. O pai era pescador e
trabalhava em uma tecelagem em Neópolis, interior do Sergipe. A
família era grande e a condição financeira era pouca, com a
mudança de alguns parente para Santos, a família resolveu tentar
uma vida melhor na cidade. Com um talento indiscutível para a
confecção de instrumentos, Mestre Ron é nosso entrevistado de
hoje.
(Mestre
Ron) - Eu moro na zona noroeste da cidade de Santos, fui a praia um
dia e vi uma roda. Na verdade eu acabei ficando assustado, porque eu
era muito novo ainda, tinha uns 12, 13 anos e fiquei assustado porque
vi uns caras muito grandes jogando capoeira. Vi umas pernadas muito
fortes e aquilo ali acabou me assustando. Passou algum tempo, conheci
um amigo que era contramestre, o Marinheiro, irmão do Mestre
Bandeira, e meu irmão acabou indo treinar com ele. Eu ia acompanhar
e acabou que meu irmão saiu e eu fiquei treinando e foi meu início
na capoeira na ASCAB, Associação Santista de Capoeira Areia Branca.
(Maíra
Gomes) - Conte um pouco da sua caminhada até a fundação do seu
grupo, Raízes de Vila Nova:
(Mestre
Ron) - Eu treinei durante 10 anos nesse mesmo grupo, com o
Contramestre marinheiro e depois com o Mestre Bandeira. Passou um
tempo, acabei me desentendendo com o Mestre Bandeira. Fui embora de
Santos pra morar em Sergipe que é a minha naturalidade. Lá, na
necessidade de treinar, que eu gostava muito, acabei montando meu
trabalho. Hoje todo mundo que se desentende com o seu mestre e monta
trabalho. Eu comecei na verdade na necessidade de treinar, porque não
tinha ninguém, na minha cidade não tinha capoeira. Eu acabei sendo
pioneiro, isso em 1991.
(Maíra
Gomes) - Por que Raízes de Vila Nova?
(Mestre
Ron) - O nome Raízes de Vila Nova é uma homenagem a minha cidade,
Neópolis, que até a década de 1970 era conhecida como Vila Nova.
O nome do grupo soava estranho pra muita gente, mas hoje não soa
estranho, hoje estamos trabalhando firme em alguns lugares aí do
Brasil.
(Maíra
Gomes) - Como foi a sua formatura de mestre?
(Mestre
Ron) - A minha formatura não foi uma cerimônia muito grande. Eu
tive a surpresa de receber a corda em 2001, do Mestre Carvoeiro, que
era um cara que treinava junto comigo, mestre na ASCAB . Quando eu
peguei essa corda já tinha meu trabalho estabelecido. Já tinha
voltado pra Santos e acabou que no aniversário dele, ele me chamou
diante de todo mundo lá e acabou me dando essa corda. Já existia
uma cobrança grande da comunidade para que eu pegasse a corda de
mestre, pela postura, pela minha condição, tempo e tal. Mas foi uma
coisa que eu não esperava.
(Maíra
Gomes) - Como o senhor começou a trabalhar com instrumento musical?
(Mestre
Ron) - Já treinando com o Mestre Bandeira eu tinha a curiosidade de
fazer instrumentos. Naquele tempo, só se via berimbau de bambu em
Santos, eu ia muito para alguns sítios lá na região e comecei a
trazer esses bambus e fazendo alguns berimbaus. Quando eu ia pra
Sergipe, sempre vou todos os anos, eu trazia cabaça e peguei gosto.
(Maíra
Gomes) - Mas alguém te ensinou?
(Mestre
Ron) - Não, berimbau foi uma iniciativa minha. Caxixi eu aprendi
desmanchando para ver como fazia e o resto dos instrumentos foi tudo
curiosidade. Salvo o atabaque, que eu levei um amigo meu de Sergipe,
o Acauã, para dar um curso em Santos. E na verdade eu achei q ia
bombar o curso, que todo mundo ia fazer inscrição e acabei gastando
um dinheiro muito grande pra trazer o Acauã e na verdade tiveram
quatro alunos que foram fazer esse curso de atabaque. E pra mim foi
ótimo porque ninguém aprendeu, eu aprendi e sou o único que faz
atabaque em Santos e vendo, reformo.
(Maíra
Gomes) – O senhor trabalha somente com Capoeira?
(Mester
Ron) - Eu sou jornalista na área de reportagem cinematográfica, mas
abdiquei disso pra viver simplesmente da confecção de
instrumentos.
(Maíra
Gomes) - A musicalidade é sua parte favorita na capoeira?
(Mestre
Ron) - Eu não vejo assim. Eu gosto muito de tocar, cantar, sou
apaixonado por berimbau, mas o jogo da Capoeira pra mim é muito
importante.
(Maíra
Gomes) - O que você pensa que deveria ser diferente no mundo da
Capoeira?
(Mestre
Ron) - Hoje a gente tem muito mais opção de mestre, de escolhas e
as pessoas acabam sempre optando pela escolha errada. Essas saídas
de grupo, essa coisa de estar aqui, estar ali, isso me incomoda
muito. Eu vim de um trabalho mais ou menos assim, mas motivado pela
necessidade de treinar capoeira, não tinha a quem recorrer. Eu
estava no interior de Sergipe, num lugar que ninguém conhecia a
Capoeira e precisava treinar.
(Maíra
Gomes) - O senhor acha que já chegou com o seu grupo onde queria
chegar?
(Mestre
Ron) - Eu já passei de onde eu esperava. A gente tem um trabalho
pequeno, mas é um trabalho concreto, a gente tem uma base. Mas não
só em termos de grupo, eu já cheguei além do que eu imaginava
chegar com a Capoeira. Jamais esperava ter ido conhecer a Europa, a
Capoeira me levou. Jamais esperava ter feito os eventos que eu tenho
feito, trazendo 12, 13 estados do país na minha casa. Se eu tivesse
que parar hoje, coisa que jamais vai acontecer, eu estaria super
satisfeito, porque com ela eu fui além do que eu esperava.
(Maíra
Gomes) - O senhor é casado, tem filhos?
(Mestre
Ron) - Sim, sou casado e tenho 3 filhos.
(Maíra
Gomes) - Todos capoeiristas?
(Mestre
Ron) - Não, nenhum capoeirista. Isso me incomoda, mas eu não quero
forçar meu filho a jogar capoeira. Eu quero que ele sinta a Capoeira
como eu senti. Tem um agora que está retornando. Tem uma menina,
que é a do meio e tem o mais velho que treinou, mas parou e agora o
mais novo tinha parado, tava treinando bem, parou e agora tá
retornando. Tô feliz com ele!
(Maíra
Gomes) - Quem são seus ídolos?
(Mestre
Ron) - Tem muita gente que não tem nem um status tão grande na
capoeira e que eu sou fã. Eu prefiro não citar nomes. Pela conduta,
pelo desempenho, pelo trabalho, pela humildade.
(Maíra
Gomes) - O que faz um mestre de capoeira?
(Mestre
Ron) - As pessoa vêm o mestre de capoeira pelas pernadas. Eu vejo
nas pernadas o mínimo para um mestre de capoeira. Ele tem seu auge
com as pernadas e chega um certo momento que é a administração,
saber lidar com o aluno, as condutas dentro dos jogos, as condutas
fora dos jogos, o caráter, tudo isso faz com que a pessoa se
fortaleça como mestre. O reconhecimento de quem está ao lado, das
comunidades. A imposição é uma coisa muito chata, tem gente que
coloca uma graduação na cintura e diz “sou mestre de capoeira”,
a graduação não faz ninguém mestre, o tempo faz mestre, as
experiências na vida. As quedas que a vida te dá te fazem avaliar
as coisas.
(Maíra
Gomes) - O que falta para a Capoeira conquistar?
(Mestre
Ron) - A Capoeira precisa de mais credibilidade. Mas os trabalhos
estão sendo feitos, tem muita gente trabalhando seriamente, assim
como tem muita gente pegando carona no mundo da capoeira. Mas eu
creio que a gente está caminhando. Os mestres de verdade têm que
passar para os seus discípulos, para os seus alunos, a maneira
correta de se caminhar na capoeira. Muita gente com ego lá em cima,
muita gente arrogante no mundo da capoeira e muitos mestres estão
passando isso ainda. Quando isso tiver uma baixa, tenho certeza que a
capoeira vai alcançar um patamar bem maior do que nós já estamos
hoje. Nós já estamos longe, bem acima do que nós já fomos. Tenho
certeza que quando as pessoas começarem a trabalhar com mais
humildade, respeitando mais o próximo, a capoeira dará melhores
frutos. Muito do que a gente perde na capoeira é em razão do
egoísmo, da prepotência de várias pessoas . Eu prezo pelo cara que
se dedica aos treinos tecnicamente, fisicamente e estuda um pouco da
capoeira. E muita gente que reclama que a capoeira não dá nada,
mais tarde vai ter um retorno. A capoeira é muito sincera com as
pessoas. Se você trabalha pela capoeira, se você se dedica, se
sacrifica, se você tiver paciência, com o tempo ela te dá um
retorno. Agora se você quiser sugar dela e achar que ela vai te dar
tudo numa questão de 2, 3 anos, aí você se decepciona com ela.
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